Pioneiro

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H A R R Y

Podemos conversar?

Foi o que perguntei a Louis no quarto dele. Foi exatamente a mesma pergunta que fiz a Gemma na manhã seguinte, enquanto comíamos panquecas. Liguei para o conselheiro dela e marquei mais uma reunião. Deixei um recado para o meu chefe na fábrica de esquadrias pedindo que ele me ligasse de volta, avisando que deixaria o emprego assim que encontrasse um trabalho diurno. Acho que nunca conversei tanto na vida quanto conversei naquele mês de novembro. Enfiamos na cabeça que sabemos como são as coisas e que não há por que conversar. Sabemos o que precisamos fazer. Sabemos como será o futuro. E então chegamos a um momento decisivo, a alguma mudança de paradigma que nos mostra que tudo o que acreditávamos que sabíamos não estava certo.

Podemos conversar? Eu preciso perguntar uma coisa. Há coisas que eu preciso dizer. Talvez isso acontecesse por eu ser teimoso, mas sempre achava que já sabia como a conversa se daria quando pedia para conversar com as pessoas. O que eu diria. O que elas responderiam.

É engraçado, porque eu estava sempre errado. Aquelas semanas no fim do ano foram cheias de surpresas. Surpresas felizes, tristes, arrasadoras, frustrantes e incríveis. Louis às vezes era a maior surpresa de todas, porque ele continuava ao meu lado. Foram as semanas em que tudo finalmente mudou. Eu parei de pensar que sabia como a minha vida iria ser. Comecei a acordar empolgado com o que aconteceria a seguir. Em algum ponto do caminho, percebi que estava simplesmente conversando, escutando, ficando surpreso e gostando da experiência.

Na manhã depois da festa de Zayn, Gemma estava beliscando as panquecas dela enquanto eu fingia não me importar com isso. Ela as afogou em calda. Avisei que era demais, sugeri que pusesse a calda em uma xícara e mergulhasse os pedaços de panqueca para que tivesse a quantidade certa, mas ela simplesmente revirou os olhos como se eu fosse a pessoa mais burra do planeta e continuou colocando mais calda sobre as panquecas. Ela comeu quatro pedaços. Depois ficou brincando com o que sobrou. Levantando as beiradas com o garfo. Largando-as pesadamente no prato de novo.

Seus cabelos estão um ninho de rato ao redor da cabeça, e ela está usando uma camisola da Tinkerbell que fica justa demais no peito. Uma camisola de criança em um corpo de adolescente. Preciso comprar pijamas novos para ela. Empurro a cadeira para trás e me levanto, pensando em lavar a louça. Assim, não preciso ficar irritado por ela destruir o café da manhã que preparei.

- O que vamos fazer hoje? - pergunta Gemma.

O plano é resolver os nossos problemas. Ter uma conversa franca e dar um jeito em tudo. Só que Gemma ainda não sabe do plano. Sento de novo. Ela está apoiada em um cotovelo sobre o tampo de vidro da mesa. Baixa a cabeça de modo que as panquecas estão exatamente no nível dos olhos. Fico olhando enquanto ela levanta a pilha inteira de panquecas e a larga no prato. Plá.

- Você vai se sujar fazendo isso. - Ela bufa.

- Pensei em ficarmos em casa - sugiro. - Que tal?

Ela olha para mim para ver se estou falando sério.

- O dia todo?

- Claro, por que não?

- Você está sempre me obrigando a fazer coisas nos fins de semana.

- Pensei que você gostasse de fazer coisas.

- Não o tempo todo.

- Nós não fazemos coisas o tempo todo.

- Todos os fins de semana.

- Você não quer fazer mais coisas comigo?

Ela dá de ombros e levanta as panquecas a uns 10 centímetros de altura. Plá.

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