O Começo - part 2

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L O U I S

A primavera chega tarde em Iowa, mas este ano foi uma exceção. A neve de dezembro abriu caminho para um janeiro gelado, claro e azul, com tudo cristalino e cintilante. Os olhos de Harry sob esse céu pareciam fogo e gelo. As mãos dele estavam frias quando ele as deslizava por baixo do meu casaco sobre a pele quente. Eu dava gritinhos, mas adorava o choque do toque dele. O choque de tê-lo. De mantê-lo. De como aquilo podia se tornar normal: entrar em um ritmo de dias movimentados e noites familiares, mas ainda me surpreender, com gratidão, sem parar.

Fevereiro foi o mês de projetos e artigos, telefonemas e entrevistas televisivas. De acordar cedo para arrumar o cabelo e até maquiagem e dar alguma entrevista no noticiário matinal. De ver meu nome no jornal Des Moines Register, de sentar em um salão de conferência de hotel respondendo a perguntas de oito senadores estaduais, nenhum deles dando a entender que eu era uma bicha. Todos eles me cumprimentaram e agradeceram pelo serviço prestado aos cidadãos de Iowa.

Fevereiro foi o mês de ler sobre organizações sem fins lucrativos, grupos de ação política e organizações universitárias. De conversar com ativistas. De pensar em palestrantes convidados. De planejar um futuro sem muros em qualquer horizonte. Fevereiro foi o mês de Gemma fazer amizade com uma menina chamada Nadine e levá-la para brincar em casa uma vez, depois uma segunda vez, e então tantas noites quantas elas pudessem. Foi o mês de Niall voltar de Florença e eu ter tempo para ver todas as fotos dele e ouvir tudo sobre suas escapadas italianas. De eu arranjar tempo para Liam também, para ouvir como as coisas estavam indo com Zayn e dar a ele o conselho de que não precisava, porque, na verdade, as coisas estavam indo muito bem.

Foi o mês de início da arteterapia de Gemma, da redução de seus pesadelos e da minha insônia. Fevereiro foi o mês de Harry visitar o ateliê de Laurie, falar sobre Raffe e Annie, me contar o que estava fazendo, o que tentaria fazer a seguir, o que dera errado...

Engordei cinco quilos em fevereiro. Então chegou março e choveu tanto que o mundo ficou marrom e lamacento. A neve derreteu. O capacho da porta da frente desenvolveu uma crosta de lama. Nós precisávamos deixar os sapatos do lado de fora para evitar que flocos de terra caíssem por onde quer que andássemos. As férias de primavera marcaram um ano desde que Harry deixou Putnam para Oregon. Deixamos Gemma com os Collin e fomos até Iowa City para jantar, apenas nós dois. Entrada, prato principal e sobremesa à luz de velas, pratos passados de um lado a outro da mesa, mais assunto do que nunca. Eu ri muito durante aquele jantar, porque a minha vida estava tão cheia que transbordava. Harry me puxou para perto dele na caminhonete, me beijou com a chuva caindo no telhado e nas janelas até eu ficar sem fôlego e começar a rir de novo.

Abril trouxe o sol, o mundo secando, as primeiras folhas de grama. Treinos de rúgbi para planejar. Um protesto para organizar. Todos os dias um contato a ser feito, algum repórter com quem falar, algo novo para ir atrás. Era assim que seria. Era como nós seríamos, sempre. Cheios de mudanças. Cheios de vida. Transbordando palavras e risadas, mãos frias e bocas quentes, e o som da chuva caindo. A sala do advogado está fria. Do lado de fora, a temperatura está perfeita. Dezoito graus com sol, algo raro para um mês de abril em Iowa, de modo que todo mundo só quer falar sobre as correntes do golfo e o aquecimento global. Em Putnam, é uma daquelas tardes em que todos os alunos pálidos do inverno saem piscando os olhos dos alojamentos e estendem cobertores sobre o gramado do campus. Os rapazes tiram as camisas e jogam frisbe. As garotas e os garotos seguram livros e cadernos quando, na verdade, estão lá apenas para ver abdomens sarados.

Eu estou sentado diante de uma mesa de reunião ao lado de meu advogado e meu pai, Harry e Gemma também estão ao meu lado. Do outro lado da superfície de cerejeira reluzente, Nate está acompanhado do advogado, do pai e da mãe. Não é assim que as coisas costumam ser feitas. Meu pai deixou isso abundantemente claro. Não é normal insistir em assinar os papéis diante da pessoa que você acusou. Não é normal levar o namorado junto ou convidar também uma menina que é nova demais para compreender inteiramente o que estão pedindo que ela testemunhe. Acordos também não costumam levar quinze semanas para ser negociados, eu disse a meu pai, mas deixei você fazer do seu jeito. Minha vez.

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