Silt - part 2

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Antes de começarem a leitura, gostaria de avisar que esse capítulo aborda assuntos sensíveis.

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L O U I S

Meu terceiro dia em Silt é como os dois primeiros. Harry se mostra ausente e se recusa a responder às minhas mensagens de texto. Meu pai me liga e eu o ignoro. Quatro vezes. Não posso ficar pensando no que está acontecendo em casa, não se eu quiser permanecer são. É demais. Na verdade, não suporto a ideia de conversar com meu pai no momento. Ele está obcecado com o julgamento. Conversar com ele sobre o mesmo assunto consumiu todo o meu verão. Ao acordar, às vezes eu me sentia como se estivesse desaparecendo. Como se não fosse nada além do que sobrou do ano anterior: do que aconteceu com Nate, do que aconteceu com Harry.

Em vez de atender as ligações do meu pai, volto ao meu trabalho de detetive, me insinuando nas conversas, aprendendo os nomes de todos os primos de Harry, conhecendo as personalidades das tias e dos tios dele, as disputas subjacentes e as complicadas redes de animosidade que alimentam os dramas diários daquela família. Há muitos dramas. Entendo por que Harry escolheu se afastar por seis anos.

Anne precisa ir até a delegacia para ser ouvida. Joan nos ensina a jogar gamão e fazemos um torneio na mesa da cozinha enquanto ela prepara chile, tricota e conversa ao telefone com as filhas, uma depois da outra, cada uma furiosa com alguma coisa. Anne volta para casa com dor de cabeça, chora quando Joan pergunta o que a polícia queria saber e cai no sono no sofá. Gemma fica entediada e pede para jogar baralho. Quando Joan explica que não tem baralho em casa, Gemma retruca que tem um no trailer. Também estão no trailer as roupas, os objetos de higiene, o celular, o cobertor e tudo o mais de que uma menina de 10 anos de idade necessita.

– Podemos ir buscar? Por favor, Louis?

– Eu não tenho carro, lembra? Mas posso pedir ao Harry.

– Ele vai dizer que não. Todos vão dizer que não.

Ela cruza os braços e se joga no chão, desesperada.

– Você sabe por que não podemos ir lá, querida.

No fim daquela tarde, Joan atendeu uma ligação na varanda. Quando voltou para dentro de casa, nos contou que a polícia classificou a morte de Des Styles como acidental. O corpo seria liberado e o funeral aconteceria no dia seguinte. Naquela noite, depois que Gemma caiu no sono, Joan subiu a escada que leva ao sótão.

– Olá. Posso entrar?

– Sim.

– Você pode me acompanhar em uma pequena viagem de carro?

Depois de um trajeto curto, estacionamos na frente de um trailer escuro cercado por fitas amarelas de cena de crime. A maçaneta girou facilmente na mão de Joan. Ela me mostrou como passar por baixo da fita.

Legal. Arrombamento e invasão, penso. Tecnicamente, não é mais uma cena de crime. Mas, mesmo que fosse, acho que eu estaria ali. Preciso ver esse lugar. Preciso conhecê-lo, porque faz parte de quem Harry é. Este é o passado dele. Analiso tudo – o cheiro de mofo, o revestimento barato das paredes finas. O tampo da mesa arranhado, a madeira descascada, revelando o branco do forro. Joan sai do quarto com os braços cheios de roupas.

– Pegue um saco de lixo debaixo da pia.

Obedeço, imaginando onde Harry guardava suas coisas. O que ele chamava de seu e como o protegia. Ele nunca quis que eu visse isso. Meu celular toca. Tiro o aparelho do bolso todo atrapalhado, aceitando a chamada sem querer.

– Louis? – pergunta meu pai.

– Oi, papai.

– Eu estou ligando para você o dia inteiro!

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