capítulo 8

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Na véspera de Natal acordei cedo. Minha mãe já havia me chamado pelo menos

umas cinco vezes. Desci, tomei um banho superdemorado - o chuveiro do banheiro de

baixo tem o jato de água mais forte - daqueles que fazem a gente despertar, e fui para a

cozinha.

Sobre a mesa encontrei um dos famosos bilhetes da minha mãe, que só serviam

para me dar ordens - 'Marcus faça isso, Marcus faça aquilo' - ser filho único nessas horas

era muito ruim, pois qualquer atividade especial acabava sempre sobrando para mim.

Das tarefas que ela havia deixado, a principal delas era a de levar a mesa da

cozinha para o barracão dos fundos e a pior era a de arrumar o barracão, que quase sua

totalidade era ocupado com minhas coisas. Eu sempre fui de guardar coisas velhas e

quebradas. Minha mãe dizia que eu havia puxado ao meu avó Francesco, que também era

mestre em guardar porcarias.

Com um sanduíche de queijo na mão esquerda e um copo de leite gelado na mão

direita, fui para o barracão, quando ouvi meus pais chegando. Devagarinho e sem fazer

barulho fui a cozinha para surpreendê-los. Na verdade, eu sempre brincava de dar sustos

na minha mãe. Quando cheguei perto da porta, percebi que eles estavam falando de mim

e apesar de não ser correto, resolvi ficar ouvindo.

Eles estavam conversando numa boa e meu pai dizia:

- Sabe, Ana, eu me sinto cúmplice de tudo isso ao apoiá-lo. E nada disso me faz

bem. Mas o que a gente pode fazer? Se nós virarmos as costas, nós vamos deixá-lo

sozinho. E isso eu acho pior. Sozinho, ele vai encontrar gente de toda espécie. Algumas

pessoas vão querer se aproveitar dele, seja em sexo ou em drogas. Nós sabemos como é o

mundo lá fora. Quando você foi consultar a Sílvia, que trabalhou com jovens

problemáticos na cidade... Como era mesmo o programa social?

- 'Vamos tirar os jovens das ruas'

- É esse mesmo, Ana. Você lembra que ela falou que meninos na idade do Marcus

estavam vendendo o corpo em troca de dinheiro para sobreviver? Sabe, Ana, se alguém

tem que passar por algo que não gosta, acho que tem que ser a gente e não ele. Vamos

fazer com que as coisas aconteçam com a maior dignidade possível.

Sem fazer barulho, resolvi voltar para o barracão. Me arrependi de ter ouvido esta

conversa. Eu não faria nada disso. Comecei a pensar num jeito de mostrar que eu estava

lá, mas que nada tinha ouvido. Comecei então a cantar e em poucos minutos eles vieram.

Quando os vi, disse:

- Vocês já chegaram?

Eles não perceberam nada e minha mãe disse para me apressar, pois logo os

convidados chegariam.

À noite, minha casa já estava cheia de gente. Por parte de meu pai, estavam seus

Eterno Amor (romance bissexual)Onde histórias criam vida. Descubra agora