Capítulo XIII

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Fazenda dos Sallow, 14 de novembro

Fico sem conseguir encarar Ross por dois dias seguidos. Me dá até um pouco de pena dele, por pensar que talvez eu esteja com raiva dele, mas não é isso. Na verdade nem eu sei por que de estar ignorando-o. Eu não sei mais nada.

Encaro todos os papéis e telas ao meu redor espalhados pelo chão. Olho para o desenho de alguns dias atrás — que por acaso se parece com os traços do rosto de Ross. Imagino qual seria a reação de qualquer pessoa se visse isso, talvez seria como foi a minha, me senti uma psicopata por desenhá-lo.

Penso se há algum jeito de voltar a falar com ele sem que haja algum clima estranho. Por mais que não tenha acontecido nada, me sinto culpada por ignorá-lo todo esse tempo.

Não tem nenhuma razão específica para tal coisa. Talvez seja porque eu não consiga mais falar olhando-o nos olhos ou falar normalmente sem gaguejar ou me sentir quente. E mais que tudo, sentir raiva de mim mesma por sentir tais coisas. Afasto por um tempo esse pensamento e me concentro em algo que devia estar em primeiro plano agora. Estudar.

Me volto para a minha escrivaninha, sentando para recomeçar as minhas anotações. Consigo por mais meia hora, depois, minha mente vaga por acontecimentos que foram presenciados por ele. Bufando e com raiva por não conseguir fazer nada útil além de ficar pensando em Ross. Resolvo guardar minhas coisas de escola e arrumar a grande bagunça de papéis e tinta e tela espalhados pelo meu quarto. 

— Cath, seu pai pediu que você descesse para que ajudasse com o almoço. — a voz de Ross saiu abafada por detrás da porta. 

— T-Tá, eu já vou. 

Termino de arrumar a bagunça do quarto e tentar ouvir ao mesmo tempo se Ross ficou esperando na porta ou foi embora. Chego perto da porta colocando meu ouvido nela para poder escutar alguma coisa. Nada. 

Abro a porta bem devagar e não vejo ninguém no pé da minha porta, melhor assim. Descendo as escadas com medo de me deparar com Ross no caminho, eu pareço um ladrão com medo de ser pego. Meu pai está na frente do fogão mexendo algo na panela que tem um cheiro bom, cantando em alto e bom som ele não parece me ver chegar ao seu lado até eu o cutucar no braço. 

— Pai, você disse que precisava de ajuda, aqui estou. — fiz um sinal igual daquele cadetes do exército fazem. 

— O que? Eu não disse. Mas já que você tá aqui, mexe esse molho para mim. — ele me dá a colher e vai para o balcão preparar outra coisa. 

Meu rosto explode de raiva, estava claro que era mentira, meu pai nunca pede ajuda na cozinha. Isso com certeza foi algum tipo de vingança que Ross planejou depois de todos os dias fugindo dele. Vingança sem criatividade. Mexo o molho mais rápido pensando em como fui burra de me dar ao trabalho de descer para nada. 

— Ei, ei. — papai chega perto de mim e pega a colher. — Assim vai ficar horrível. Pode ir, já acabei com a outra parte. 

Saio batendo os pés e vou em busca de Ross.  

Ando por alguns minutos, mas não tanto, para me deparar com um Ross de bochechas vermelhas e com um sorriso no rosto. Olho bem nos olhos dele depois de dias e fico o encarando, ele revida. Ficamos como duas crianças brincando de quem pisca primeiro — ele piscou. 

— Muito engraçado o que você fez. — descido abrir a boca. 

— Obrigado, eu fui ótimo dessa vez. — seu sorriso aumenta.

— Parece que você não entende o que é sarcasmo. Eu estava estudando, para a sua informação. 

— Estudar faz tanto barulho? — seu sorriso diminui. — E você estava estudando por três dias seguidos para que não pudesse nem me dar um oi? 

Fico sem responder. Desvio o olhar para algo bem mais interressante que Ross sentindo minhas bochechas esquentarem. 

— Eu fiz isso porque queria te ver. — Ross fala sem rodeios. 

Olho boquiaberta para ele, processando o que tinha acabado de falar. Talvez eu tenha sido um pouco injusta com ele quando resolvi ficar sem conversar por três dias, fui bem injusta. Ou talvez tenha sido ciúmes por causa do que Maggie fez no outro dia, por mais que tenha sido uma coisa tão normal da parte dela. 

Mexo a cabeça e vou para o meu quarto. 

.....****.....

Eu não estou entendendo nada. Por que você fez isso? — Marrie quase grita pelo telefone. 

— Não sei... talvez seja porque ele ficou o dia todo com Maggie e isso me deixou desconfortável. — tento parecer a mais confiante possível. 

Isso soa como se você gostasse dele. — ela foi direta. 

Fico muda. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não de novo. Eu não estou apaixonada por ele. Ross sempre foi legal, mas não era nada extraordinário. Não era como ou outro Ross, o cantor; ele sim parecia gentil e engraçado. Ross, o fazendeiro, era só Ross. 

Cath? Você tá viva? — Marrie pergunta, chegando o microfone perto da boca. 

— Sim, claro. — volto para a realidade. — Mas não, eu não gosto dele. 

Você que decide, eu não tenho nada a ver com isso. 

 Conversamos por horas depois que decido mudar de assunto para o novo jogo de escolhas que seria lançado na semana que vem. 

Depois de arrumar o meu quarto desço para poder tocar o piano velho que fica na sala. Faz tanto tempo que eu não toco que me deu vontade hoje por alguma razão. Levanto a tampa que protege as teclas e passo a mão por elas para tirar a poeira acumulada por anos. 

Decido começar tocando por algo mais leve já que faz tempo que eu não toco. Meus dedos passeiam pelas teclas de forma um pouco robótica e de um jeito que me faz recomeçar a música umas quatro vezes. 

Paro no meio da música. Fico olhando para o piano sem fazer nada, talvez esperando um milagre. Me viro para trás saindo do banquinho e tomo um susto com Ross sentado no sofá atrás de mim com um sorriso gentil nos lábios. 

— Que susto, Ross. O que tá fazendo aqui? — pergunto, semicerrando os olhos. 

— Eu estava lá fora brincando com Rex quando ouvi um som de piano um pouco fora do tom, então vi que era você e só fiquei escutando suas tentativas falhas de tocar com um pouco mais de naturalidade. 

— Ah. — foi tudo o que eu consegui dizer. 

Ross se levantou e sentou ao meu lado no banquinho colocando, logo em seguida, suas mãos no teclado e começando a mesma melodia que eu estava tocando há pouco. Ele me olha com uma das sobrancelhas arqueadas como se dizesse "é assim que se faz, idiota", retribuo o olhar. 

— Olhe para os meus dedos e não para o meu rosto, Cath. 

Olho imediatamente, vermelha, para o teclado e em como os dedos de Ross dançavam com facilidade por eles. Ross toca por vários minutos, e parece que a música está se repetindo de propósito. 

De repente, a música para. Volto a encarar Ross como se não acreditasse no que vi agora há pouco. 

— Então? O que achou? — ele me olha de volta com um sorriso radiante. 

Isso soa como se você gostasse dele.

O que Marrie tinha me dito mais cedo reverbera na minha cabeça me impedindo de responder qualquer coisa plausível. Minhas bochechas esquentam. 

 — Foi ótimo. — respondo me levantando rapidamente. — Lembrei que preciso fazer algo... da escola. Tchau!

A frase soa mais desesperada do que eu gostaria. 

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