Moonchild

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"Toda essa dor e todo esse sofrimento,
Esse é o nosso destino, não vê?
Temos que dançar na chuva, dançar na dor"

NAMJOON

Minha mãe ligou pela terceira vez. E pela terceira vez eu deixei que tocasse até cair na caixa postal.
— Não vai atender? — Seokjin hyung perguntou enquanto ajeitava as compras no carro.
— Não é importante.
Hyung me olhou por alguns segundos antes de se dar por convencido, ele sentou no banco do motorista e deu partida na caminhonete. Seguimos até o apartamento pequeno que hyung estava mobiliando aos poucos desde que voltou à Coreia.
Dois anos depois o lugar começava a se parecer com uma casa.
— Vintage e prático — eu pontuei depois de ver a decoração simples e elegante da sala — Você tem bom gosto, hyung.
Seokjin riu.
— Obrigada, Namjoon-ah. Apesar de ter demorado tanto, eu realmente não gastei muito tempo pensando em decoração.
Eu tinha ido com hyung fazer algumas compras, ele me deixaria em casa, mas antes insistiu que fossemos beber alguma coisa em seu apartamento. Hoseok também viria, mas precisou sair mais tarde da academia.
Meu celular estava em cima da mesa de centro da sala quando tocou outra vez.
— Namjoon-ah! Sua mãe está ligando. — Seokjin me chamou, enquanto eu lavava as mãos na pia da cozinha.
— Tudo bem, hyung, pode deixar.
Quando voltei para sala com mais duas garrafas de cerveja, ele me olhou desconfiado.
— Namjoon-ah, está acontecendo alguma coisa?
— Nada de novo, hyung. Meu irmão fugiu da reabilitação, aparentemente roubou meus pais e está incorrigível outra vez.
— Sinto muito, Namjoon... — hyung falou sinceramente.
— Era uma questão de tempo, hyung, até minha mãe sabia disso, mas ela sempre o protege, não importa o absurdo que ele faça. E eu sempre tenho que ser quem resolve tudo. Tem também a questão da saúde do meu pai... É cansativo.
— E o que você acha que pode ser agora?
— Eu falei com ela de manhã, ela quer que eu o traga para cá e eu disse categoricamente que não. Este é o pior lugar para alguém viciado, ele vai encontrar companhias muito piores nos buracos dessa cidade.
— Sem dúvida.
— Eu não estou fugindo da responsabilidade, eu só realmente não acho uma boa ideia — eu me justifiquei.
— Eu sei, mas eu não te julgaria se você estivesse — Jin respondeu calmamente.
Hyung também me assegurou de que eu teria todo o seu suporte caso decidisse trazer meu irmão, mas eu deixei claro que essa não era uma possibilidade.
Passei um tempo de qualidade com hyung, bebemos e conversamos sobre os últimos dias. Ele me contou sobre os atritos frequentes com seu pai desde que aceitou assumir parte da administração da empresa da família. Hyung era inteligente e capaz, mas seu pai jamais enxergou isso. Seu desejo era que Seokjin o precedesse na presidência, por isso lhe conferiu a gestão de uma das áreas mais importantes da empresa, hyung aceitou principalmente por pressão familiar, mas era claro que, apesar da capacidade, ser executivo não era o futuro de Seokjin.
Num canto esquecido do quarto semi-mobiliado estavam as câmeras e as caixas com as fotos de hyung tirou em todos esses anos. Ele não tinha mais tempo ou disposição para fotografia, estava focado em corresponder às expectativas inalcançáveis do pai.
Deixei o apartamento de hyung por volta das 23h. A noite me recebeu com uma brisa gelada, a enorme lua cheia parcialmente coberta por nuvens era como um farol distante, guiando-me até a estação de trem.
O bairro de hyung era próximo ao centro, não haviam muitas pessoas na rua àquela hora, o único bar aberto tocava a melodia triste, que reconheci como Blackbird dos Beatles. Segui ruminando a canção.
De repente eu era um mero espectador da noite da cidade. Assistindo a paisagem lentamente metamorfosear-se conforme me aproximava da linha de trem. Ruas sujas, pontos de ônibus pichados, moradores de rua e alguns cães solitários.
A solidão e a cidade.
Apesar da decadência, existia algo realmente reconfortante em olhar para o alto e perceber que a lua que iluminava as ruas limpas do bairro de Jin hyung, também velava o sono dos bêbados adormecidos ao lado da estação de trem. A lua, pelo menos, não fazia distinção de quem guiava.
Ponderei sobre ir de trem, afinal estava realmente frio e eu chegaria pelo menos vinte minutos mais cedo, mas a ideia de me confinar no trem e no trailer, causava uma agonia quase claustrofóbica. Andei o caminho inteiro, por mais cansado que estivesse.
O vento gelado desatou nós de meus pensamentos, levou-me para um tempo que deixei aquela cidade com a minha família devido às complicações de meu pai, parecia um tempo sem cor. Eu estava de volta há quase três anos agora, mas parecia estar no mesmo ponto que estava quando parti. Para mim, era como se o tempo nunca passasse.
Cheguei ao trailer próximo da meia-noite, envolto em minha bagunça, gastei os últimos momentos do dia entre meus rabiscos. Frases, poemas, rascunhos de músicas que nunca seriam ouvidas.
"Devo sobreviver" rabisquei outra vez em um papel qualquer.

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