Reflection

5 0 0
                                    


"Todos sabem onde deveriam estar
Eu continuo andando sem propósito"

NAMJOON

Batidas urgentes no metal do trailer interromperam meu sono profundo. Abri a porta sonolento e não me surpreendi com a visão de um Taehyung assustado, como um flashback de todas as vezes em que ele correu para o trailer fugindo da polícia depois das badernas.
Daquela vez, no entanto, algo pareceu diferente quando ele fechou a porta atrás de si e pediu silêncio. Ele sentou com as costas coladas na porta e tentou normalizar a respiração.
O que podia ser agora?
Do lado de fora, vozes baixas se aproximavam, luzes de lanterna varreram a fachada do meu trailer. Taehyung prendeu a própria respiração e eu mesmo sem saber do que se tratava, não respirava. Por quinze minutos inteiros, não falamos nada, somente depois de espiar pelo buraco estratégico na lateral e se certificar que os policiais já tinham ido, Taehyung falou:
— Desculpa te acordar, hyung.
— Não é como se fosse não tivesse feito isso antes, Taehyung. O que houve agora?
— Hyung... — A expressão de Taehyung era sombria. Ele colocou a mão nas costas, puxou um objeto escuro e posicionou na luz baixa da escrivaninha.
— QUE PORRA É ESSA – Ele tapou minha boca rapidamente.
— Não grita, hyung. Não surta, por favor.
— Como não surta? ONDE você conseguiu isso e por quê trouxe essa merda pra minha casa? — Eu continuei em voz baixa.
— Desculpa, desculpa... — ele pediu atordoado — Eles começaram a me perseguir e eu não sabia para onde ir.
— Isso não tem a ver com o seu pai, tem?
— É só precaução.
— Precaução? Que porra, Taehyung. Isso mata, isso não tem outra função além de matar. O que você espera prevenir?
Taehyung sentou na cama, soltando os ombros num suspiro pesado. Eu esperei ele organizar seus pensamentos.
— Eu não quero mais viver com medo — Taehyung tinha olhos grandes e expressivos que brilhavam mesmo na luz quase nula do trailer — Eu não quero perder minha irmã. Eu só vou assustar ele, hyung. Eu juro.
— Onde você conseguiu isso?
— Eu comprei.
— No supermercado? — ironizei.
— Não — ele baixou os olhos — Com um amigo.
Minha cabeça latejava, resultado do sono profundo interrompido. Eu penteei os cabelos para trás com os dedos. Quando é que nossos problemas ficaram tão sérios? Taehyung até ontem era uma criança criando confusão na escola, era perseguido por professores e não pela polícia.
Ele balançava os pés com urgência, esperando que eu lhe dissesse o que fazer.
— Eu não sei quem te deu isso, não sei por onde você anda e sinceramente não importa. O que acha que vão fazer com você se te pegarem com isso? Você não tem as costas quentes, Taehyung, você é pobre, filho de um zé ninguém, tem um várias passagens por vandalismo, eles só precisam de um motivo pra pegar você. — Talvez eu estivesse sendo duro demais, mas eu queria que ele enxergasse a realidade — O prefeito dizendo na TV que a juventude precisa ser preservada, que jovens são o futuro do país, ele não está falando de gente como eu e você. Eles não se importam, Taehyung.
Ele não me olhava nos olhos. Eu me sentei ao seu lado.
— Não é justo — eu falei — Não é justo que você pague pelo descaso e por toda a violência infligiram em você. Você sente raiva, eu sei, mas não é assim que vai fazer isso passar.
Ele permaneceu em silêncio, o capuz cobria seu rosto e eu não sabia dizer se minhas palavras tinham surtido algum efeito.
— Você deveria devolver.
Taehyung secou as lágrimas, que eu não percebi que haviam caído, com a manga da blusa, fungou uma vez o nariz vermelho e pediu:
— Hyung, posso dormir aqui?
— Pode, Taehyung — ele assentiu em resposta, tirou os tênis e se enrolou em uma bola silenciosa nos pés da minha cama.
Eu apaguei a luz da escrivaninha e deitei espremido no canto restante da cama. De repente eu estava desperto demais para dormir, estranhamente consciente da arma que pousava sobre minha mesa e da presença de Taehyung em minha cama. Mesmo que não fosse a primeira que ele dormia no trailer depois de arrumar problema.
Taehyung estava sempre andando numa linha estreita, flertando com o perigo, colocando a própria cabeça a prêmio. Quando mais novo desobedecia regras apenas pelo prazer de desobedecê-las, como tentativa de entreter sua mente hiperativa. Mas sempre houve ingenuidade em suas travessuras, mesmo quando, devido a seu temperamento, resultavam em brigas.
Agora era diferente.
Eu gostaria de ser o hyung que oferece soluções maduras para situações como aquela, mas eu realmente não tinha nada para dizer além de: ninguém se importa com você, então você deveria se importar. No fim era isso, todas essas variáveis que nos atormentam antes de dormir, questionamentos existenciais e angústias da alma ficam muito pequenas quando você se dá apenas uma única tarefa, sobreviver.
Essa é a lei maior em um mundo onde uns tem tanto e outros tão pouco. Poucas oportunidades, pouca voz, pouco afeto.
Eu gostaria de ser alguém mais afetivo e otimista para Taehyung, que já foi maltratado vezes demais. Eu gostaria de ser a pessoa que ele enxerga em mim, alguém em quem se pode confiar, a primeira porta em que ele bate quando sente que vai perder a si mesmo, eu queria fazer jus a isso. Mas no fim das contas, assim como ele, eu só estava tentando sobreviver.

youth.Onde histórias criam vida. Descubra agora