Awake

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"É a minha verdade
Eu serei coberto por cicatrizes em toda parte
Mas é o meu destino
Eu quero sofrer (e lutar)"

SEOKJIN

Estacionei em frente a residência dos Byun. Coloquei o casaco, ajeitei o colarinho da camisa e olhei outra vez no espelho. Perfeito. Embora eu não tivesse a menor vontade de comparecer a esse jantar.
Desbloqueei o celular para enrolar um pouco mais. Minju tinha respondido com um meme engraçado a mensagem que eu tinha enviado. Eu passei pelo menos quinze minutos procurando um gif para responder a altura. Ela estava online, imediatamente encheu minha tela de ㅋㅋ , o que me fez sorrir.

Minju:
"O que vai fazer hoje a noite?"
"Está afim de tomar alguma coisa?"

Eu suspirei frustrado para o volante.

Eu:
"Jantar chato da empresa :("

Ahn Minju, este é o nome da jornalista dona da agenda vermelha que eu havia recolhido duas semanas atrás na rua do trabalho. Desde então mantivemos contato esporádico, eu até a convidei para assistir Jimin e Hoseok se apresentarem no arboreto, mas ela esteve com a família durante o ano novo lunar.
Minju não sabia que meu pai era o CEO da Seawall Construções, a maior empreiteira da região, para ela eu era apenas funcionário. Sinceramente era embaraçoso ser filho do chefe, diferente de meu irmão, que era apenas prestador de serviços da Seawall e tinha o próprio escritório de advocacia, eu estava diretamente sob as asas de meu pai.
Eu não queria que Minju tivesse esta visão sobre mim.
Ela tinha batalhado para entrar em uma grande universidade, apesar das condições financeiras, depois passou por jornais de pequena circulação até conquistar o posto de jornalista investigativa no maior jornal do país. Ela frequentemente falava sobre as dificuldades de manter sua posição no jornal.
Eu nunca tive muitas dificuldades, minha vida financeira sempre foi confortável. Ao ver pessoas como Minju, Namjoon, Hoseok, Sora, Yoongi e os mais novos, sinto que minha vida carece de significado. Nada do que conquistei é realmente mérito meu.
Eu deveria estar agradecido por não enfrentado os mesmos problemas, mas eu não podia evitar me sentir um pouco envergonhado.

Minju:
"Poxa, forças."

Eu:
"Obrigado, vou precisar."

O anfitrião do jantar era Byun Seunghyun, arquiteto, dono de grande parte das ações da Seawall e parceiro de golfe do meu pai. A família Byun morava em um complexo de mansões e condomínios de luxos do lado direito do rio Songju, região que tinha sido desmatada exclusivamente para a construção de moradia de luxo. Aqui se escondia a alta sociedade de Songju.
O celular vibrou me trazendo esperanças de que fosse qualquer imprevisto que me servisse de desculpa. Desbloqueei a tela apressado, puxei a barra de notificações apenas para encontrar a mensagem de meu pai.
"Cadê você? Está atrasado."
"Estou subindo."
Entrei na majestosa mansão dos Byun, projetada pelo próprio patriarca da família. No hall, uma imensa fotografia da família, Sr. e Sra. Byun, acompanhados de Baekhyun e os gêmeos.
A casa era uma demonstração vulgar de riqueza.
Um enorme piano decorava a sala, quadros caríssimos, móveis em proporções desnecessariamente grandes. Byun parecia querer registrar seu prestígio em cada artefato.
A senhora Byun conversava animada a respeito do vaso milenar sírio com a primeira dama quando me percebeu estudando a foto de família.
— Seokjin, querido. É um prazer recebê-lo.
— Olá, senhora Byun. Obrigado por me receber.
— Acho que dispensa apresentações, mas esta é Oh Jakyung, a primeira dama de Songju. — ela apontou a mulher de meia idade bem vestida ao seu lado e eu me curvei em respeito — Seu pai e os outros homens o aguardam no escritório. Chungsook vai lhe mostrar o caminho.
Ela sinalizou para Chungsook, que me assentiu com um sorriso amável.
Eu cumprimentei a senhora simpática no uniforme com uma leve mesura, ela correspondeu e me guiou até o que a senhora Byun chamou de escritório.
A sala era desnecessariamente grande, no centro uma mesa comprida repleta de senhores distintos, como chamaria meu pai. A nata da elite de Songju, os homens que por anos a comandavam, além do prefeito Oh Keodon e do Ministro de Infraestrutura e Transporte, Baek Hyunseok, que estava de passagem pela região.
Os anos passavam, as eleições aconteciam, novas empresas cresciam e outras quebravam; Assim funciona ou deveria funcionar um sistema capitalista em um Estado democrático, como explicar então, que as mesmas pessoas mandavam em Songju desde que eu entendia por gente?
Eu cumprimentei os presentes, desculpando-me pelo atraso.
— Como falávamos antes da interrupção do meu filho, ministro. — Meu pai continuou entredentes, sem dirigir o olhar a mim — Aquela região tem um grande potencial para o projeto, considerando as condições do terreno, inclusive.
— Eu tenho certeza que sim, Yongjin. No entanto, a imprensa não vai suavizar e a opinião pública se voltará contra nós, justo agora que o partido caiu nas graças das camadas mais pobres. — O ministro falava com o sotaque perfeito do coreano estandarte, provavelmente era natural de Seul — Não tenho certeza se este é o momento certo.
— Quando discutimos o desenvolvimento de Songju, este projeto é essencial, ministro. — O prefeito falou com formalidade — A região ociosa entre a antiga estrada de ferro e o rio está atraindo famílias pobres do interior, refugiados e imigrantes. Em breve a cidade estará empesteada de pedintes, haverá aumento na criminalidade, doenças pela falta de saneamento e tudo o que acompanha moradia ilegal. Se quisermos elevar a qualidade de vida de Songju e colocarmos no patamar de uma cidade de primeiro mundo, como é esperado das grandes cidades coreanas, é necessário cortar o mal pela raíz e investir em um projeto como este.
— O prefeito está correto, ministro. — Byun se manifestou — É preciso acabar com essa infestação, antes que se torne um problema maior. Este projeto de condomínios de alto padrão vai valorizar a região e atrair cidadãos de bem.
Eu me controlei para não revirar os olhos para a figura afetada de Byun. Seu cabelo cuidadosamente penteado, o esforço para suprimir seu sotaque e falar perfeitamente o coreano estandarte na frente do ministro.
Meu pai se ajeitou na cadeira e dirigiu-se ao ministro:
— Você fala da opinião pública. — Inclinou-se na mesa, como se desse ênfase ao que iria ser dito — Ministro, por favor, não é como se Seul não tivesse como contornar este problema.
— Eu não estaria tão convencido, Yongjin — o ministro continuava ereto, pouco convencido — Você sabe que as coisas não são mais as mesmas entre as emissoras. A oposição ainda tem algum controle sobre alguns jornais de circulação nacional, não será simples.
Eu estudei cada rosto presente naquela discussão, eu cresci entre aquelas pessoas, à exceção do ministro. Conhecia seus filhos, embora não gostasse de nenhum deles, fui à viagens com suas famílias, participei de jantares de negócios como estes antes – embora nunca na mesa dos homens como agora – ouvi discussões sobre partidas de golfe, preço dos barris de petróleo e plano de desenvolvimento de Songju.
Na época eu era indiferente a tudo isso. Vivi minha vida dentro de uma redoma de vidro que me separava da minha família e daquele mundo.
Naquele momento, contudo, era diferente. Eu estava irremediavelmente ali e desejei não estar. Desejei outra vez os tapa olhos e tapa ouvidos invisíveis da ignorância com quais eu vivi durante toda minha infância e parte da adolescência.
Os distintos senhores se referiam à comunidade de moradias ilegais que se formou entre o rio Songju e antiga estrada de ferro. Centenas de famílias em casinhas irregulares à margem da cidade, além daqueles que viviam nos trailers perto das estações, como Namjoon. O projeto milionário a que meu pai se referiu a semana inteira nas reuniões executivas da empresa, era este. Ele disse que não poderia dar detalhes enquanto não fizesse algumas reuniões externas. Agora tudo ficava claro, esta era a reunião externa, uma reunião de negócios travestida de jantar social entre os mais poderosos de Songju.
Ele disse que era essencial que eu comparecesse, embora eu não desse a mínima para estabelecer laços com essas pessoas e ele soubesse disso.
Ele estava me ensinando uma lição, como tudo o que ele fazia quando me envolvia.
O projeto milionário envolvia desabrigar milhares de pessoas em uma ação higienista da prefeitura, que renderia milhões a meu pai e à construtora. Ele queria que eu assistisse de perto o desenrolar desta negociação.
Pessoas que decidem destino de outras pessoas como quem discute o resultado de uma partida de golfe.
Eu me mexi na cadeira, desconfortável.
— É simples, é uma questão também de saúde pública. Como deixar a população viver em um local sem saneamento e com abastecimento ilegal de energia elétrica? Essa ação deveria ter começado nos primeiros acampamentos, a falha é inteiramente do poder público — meu pai finalizou com arrogância.
O prefeito percebeu a alfinetada. Sua família se revezava na prefeitura de Songju há anos.
— Ninguém diz que não é, mas você sabe como funcionam estas coisas, Yongjin.
— Ah, por favor, eu não sei porque tanto cuidado, ministro. Com certeza a ação terá o apoio da população, ninguém mais aguenta esse bando de vândalo pela cidade, as estações de trem estão nojentas e cheia de mendigos. Olha, você estaria fazendo um favor limpando a região. A gente que mora aqui do outro lado rio não aguenta mais a marginalidade, é uma barbárie aí fora... — Byun Seunghyun pareceu sentir meu olhar fixo em seu rosto enquanto ele despejava suas imbecilidades na mesa.
Ele se interrompeu e olhou para mim.
— Curioso o senhor mencionar isso já que passa a maior parte do tempo no exterior, senhor Byun.
Todos os olhares da mesa voltaram-se para mim, inclusive os de meu pai. Seu olhar era o mais intenso de todos, como se quisesse me calar com os olhos como fazia na minha infância. Byun sustentou meu olhar antes de sorrir com falsa amabilidade.
— Seokjin-ssi deve ter se esquecido de que minha família é moradora de Songju há muitos anos. Meus filhos frequentam escolas locais, meus empregados, que são como parte da minha família, moram em Songju. Naturalmente que me preocupo com a segurança da região, assim como todos vocês.
Ele sorria com a boca, enquanto seus olhos permaneciam impassíveis e fixos em mim. Por que ele me lembrava Lucius Malfoy?
— Ah, claro, senhor, eu ando esquecido. Talvez os senhores queiram me lembrar também a respeito da ilegalidade de retirar comunidades para construções particulares depois de tantos anos instaladas.
O ministro sorriu também, como se estivesse incrédulo de minha ousadia. Meu pai parecia ter sido congelado em uma feia estátua de gelo, seu maxilar estava cerrado com tanta força que eu temi que seus dentes quebrassem. Kim Yongjin não era homem de passar vergonha em público.
Minhas orelhas queimavam com toda a atenção que eu estava recebendo, especialmente porque era negativa.
Por um momento um silêncio denso tomou conta da sala, interrompido pela fala do prefeito:
— Evidentemente que haverão alguns contratempos legislativos, rapaz, mas não é nada com que já não lidamos antes. O ministro aqui pode dizer melhor que ninguém.
— Naturalmente — o ministro me estudou com uma curiosidade divertida — Como se chama, rapaz?
— Kim Seokjin, senhor ministro.
— Seu filho é uma figura interessantíssima, Yongjin.
O esforço que meu pai fez para separar o maxilar foi quase audível, eu teria rido se não estivesse tão tenso eu mesmo.
— Deveríamos parar essa conversa sem sentido e voltar ao que realmente interessa.
— Eu acho que esta conversa é o que realmente interessa, meu pai — minha voz subiu dois tons ficando levemente aguda com o nervosismo — Me diga, senhor prefeito, quanto custam os contratempos legislativos? De quantos zeros estamos falando?
O ministro gargalhou com a expressão de choque dos presentes.
— Eu gostei do garoto, ele tem culhões.
— Seokjin-ssi, estamos entre amigos discutindo situações hipotéticas, buscando o conselho de uma figura experiente como o ministro Hyunseok. Todos estão cientes das... Hum, questões legais envolvidas.
Lucius Malfoy estava me pedindo para deixar os adultos conversarem.
— Já que estamos falando em situações hipotéticas, senhor Byun, se hipoteticamente essas famílias fossem desabrigadas, onde a prefeitura hipoteticamente as alocaria?
Silêncio.
A tensão da sala seria capaz de acender uma lâmpada.
Batidas na porta soaram como gongo que salvava os catalépticos antigamente.
— Entre — respondeu Byun Seunghyun.
— Senhor, a senhora Byun me pediu para avisar os senhores que o jantar será servido.
— Eu pedi para não ser interrompido, Chungsook. — ele repreendeu — Bom, tanto faz. Vamos jantar, senhores, as mulheres nos esperam. Podemos continuar a discussão depois da sobremesa com os ânimos adocicados — ele sorriu com o canto da boca olhando para mim e fez um gesto de polidez exagerado para que os convidados o seguissem até a sala de jantar.
Eu me levantei rígido, consciente do olhar de meu pai em minhas costas. O prefeito tentou uma conversa informal com os outros presentes para quebrar o gelo.
Seguimos pelos imensos corredores da mansão Byun, meu pai pegou meu pulso quando os demais haviam se afastado e sussurrou em meu ouvido praticamente sem mexer os lábios:
— Você perdeu a cabeça?
— Não — eu respondi em tom de voz normal, atraindo a atenção de alguns dos homens que ainda estavam por perto para a fúria de meu pai.
Quando chegamos à sala de estar, as mulheres conversavam animadamente nos sofás.
— Aí estão vocês! Venham, Chungsook já preparou a mesa — a senhora Byun chamou.
Durante o jantar eu me esforcei para ignorar tudo o que era falado e ser igualmente ignorado. O único momento em que a conversa foi direcionada a mim, foi quando a senhora Byun mencionou o quanto ela gostaria que Baekhyun fosse como eu e se interessasse por negócios.
Seunghyun foi rápido em sair em defesa do filho, dizendo que Baekhyun estava sempre muito ocupado com os estudos.
— Você já se formou, Seokjin-ssi?
— Não, senhor, ainda não comecei a faculdade.
— Ah, sim, Seokjin passou muitos anos no exterior, não é, querido? Você ainda tem tempo, tenho certeza de que se tornará um excelente homem de negócios como o seu pai — a senhora Byun não percebeu ou ignorou a tentativa do marido de me diminuir na frente dos presentes.
— Obrigado, senhora — eu agradeci sinceramente, embora não pelo "elogio".
Tornar-me um homem de negócios como o meu pai seria uma penitência.
Após o jantar, todos conversavam sobre amenidades que não me interessavam nem um pouco. Deus, era como ter treze anos de novo. Eu contava as pedras do lustre no centro da sala de estar, quando meu pai fez sinal para que eu o encontrasse no escritório.
— Qual o seu problema? — ele perguntou assim que eu fechei a porta atrás de mim — Você fez tudo isso só para me constranger? Isso é divertido para você?
— Por que você não me disse qual era o teor dessa reunião?
Ele me encarou por um momento.
Eu não podia negar que em partes, era sim divertido ver meu pai sair dos eixos, mas o que estava acontecendo ali era muito maior do que nossa relação problemática.
— Você vai voltar até a sala de jantar e dizer que...
— Você está pagando eles, não está?
— E você vai dizer que está indisposto e precisa ir embora — ele aumentou o tom de voz — Mas não pense que isso vai ficar assim. Você é limitado, mas não é estúpido, fez isso para me prejudicar e VAI pagar seu preço.
Ele lambeu os lábios nervosamente e secou a testa suada com o lenço de bolso. Subitamente eu me lembrei do dia em que o diretor da escola me obrigou contar sobre a sala que virou depósito, lembrei das ameaças veladas que meu pai me fazia para funcionar como delator dos meus amigos para o diretor.
Meu pai, a própria representação da moralidade.
Suas ameaças e punições nunca eram claras, eram sempre chantagens que me obrigavam por medo a acatar todas as suas decisões. Ele estava me ameaçando outra vez.
— Claro — eu respondi impassível.
Saí da sala sem olhá-lo outra vez. Pedi desculpas a senhora Byun e ao restante dos convidados, aleguei estar sofrendo de uma enxaqueca. Ninguém realmente acreditou.
Entrei em meu carro, peguei a avenida expressa em direção a meu apartamento. A pista estava escorregadia por conta do mau tempo. A medida que eu acelerava, outros trechos de diálogos ouvidos em casa quando mais novo, conversas nos corredores da empresa vinham à mente.
Ao meu lado, pairando sobre o rio na escuridão, estavam todas as casinhas irregulares e suas pequenas luzinhas acesas. Velando a podridão do rio, assistindo a riqueza das mansões do outro lado tramar contra sua existência.
Era criminoso.
Byun tinha razão, a população ficaria ao lado deles. A pobreza feria os olhos, ninguém gostava de ver aquelas pessoas vivendo em um lugar sujo, com suas casas feias e trailers velhos. Empobrecia a grandeza da cidade. Apertei o volante, cheio de uma revolta que permaneceu tantos anos adormecida.
Uma vez rompida a bolha da passividade, é impossível voltar atrás.
No cruzamento seguinte eu deveria virar à direita, mas subitamente atravessei todas as faixas, o que me rendeu buzinas e xingamentos dos outros motoristas, e entrei à esquerda, seguindo em direção ao centro financeiro.
A rua ladeada por edifícios gigantes, normalmente abarrotada de gente, estava silenciosa e vazia. Estacionei o carro de qualquer jeito na fachada do complexo comercial em que ficava a sede da Seawall.
O porteiro me cumprimentou espantado quando entrei apressado no edifício.
— O senhor vai trabalhar a esta hora?
— Eu esqueci o computador, acredita? Preciso dele no fim de semana. — A mentira saiu tão naturalmente que não houve qualquer desconfiança por parte do porteiro.
— Ah sim, é um problema quando isso acontece...
Eu passei o crachá na catraca, entrei no elevador como fazia todas as manhãs de cárcere naquele prédio. O coração martelava com a decisão que eu tinha tomado antes mesmo de sair da mansão Byun. Desci no andar da direção, abri a porta de vidro com a chave que eu guardava, embora não trabalhasse naquele andar e segui até a sala da presidência.
Meu pai era uma pessoa metódica, depois de vinte e seis anos convivendo com ele, era impossível não conhecer sua maneira de fazer as coisas. Eu desliguei a energia do andar, fazendo falhar o decodificador da porta e procurei a chave reserva que ele guardava atrás do próprio aparelho.
Abri a porta na fechadura manual e religuei a energia.
Uma vez dentro da sala dele, acessei seu computador e fucei nos papéis guardados nos armários em pastas de arquivos. Uma pessoa metódica quase nunca joga nada fora. Eu esperava encontrar provas de que a Seawall pagava propina à prefeitura de Songju, o que eu achei, no entanto, foi um rastro de dar um nó na cabeça de qualquer um.
Licitações, contratos, e-mails trocados com servidores públicos que indicavam prioridade da Seawall como construtora das obras públicas. Uma imundice. Eu só precisava provar.
Eu me tranquei dentro da sala do meu pai. Joguei tudo o que eu achava que poderia significar alguma coisa na mesa. Iniciei um método de pesquisa em cada licitação que poderia ter alguma ilegalidade, casando dados que eu achava nos arquivos de transparência abertos ao público. Os dados não batiam.
Bilhões de wons de superfaturação na obra do porto, licitações fraudulentas, obras que não existiam e, por fim a cereja do bolo, a obra feita no apartamento milionário da filha do prefeito.
Eu sentei na cadeira perplexo.
Ia muito além de tudo o que eu havia imaginado. Eu me senti extremamente burro, lembrei das acusações tolas que fiz à mesa daqueles que estruturam esse esquema. A risada do ministro ecoou em meu cérebro. O quão estúpido eu era por não ter percebido isso antes?
Todo o esforço que fiz no último ano equilibrando contas para gerir projetos e era isso que eu estava fazendo. Maquiando dados da corrupção do meu pai.
As viagens internacionais, a casa gigante da minha infância, o apartamento, meu carro, tudo. Tudo era fruto disso. E o pior, era ÓBVIO e eu nunca tinha percebido.
A essa altura a negociação na mansão Byun já estava encerrada, os pormenores ilegais seriam ajustados. Como Malfoy falou, a população aplaudiria essa ação. Ninguém se levantaria por aquelas pessoas. A prefeitura não se responsabilizaria por elas, eles tirariam o problema de suas vistas para criar outro. As pessoas marginalizadas continuariam marginalizadas, mas pelo menos não à vista de seu condomínio. E meu pai ficaria um pouco mais rico.
Eu deitei a cabeça nas mãos sobre a mesa de vidro cheia de papéis espalhados. Eu me sentia uma criança espiando pela fresta da porta, um crime que não conseguia compreender. O que fazer? Recolher aquele monte de papel e despejar na delegacia mais próxima?
Dizer para o delegado: seu chefe e as pessoas mais ricas dessa cidade são criminosos.
Peguei o celular nas mãos e disquei o número da única pessoa que poderia fazer alguma coisa útil com aquela quantidade de informação. Ela atendeu no segundo toque.
— Jin? Tudo bem?
— Você já leu Harry Potter?
— O quê? Espera... — eu a ouvi abaixar o volume da TV — Li há muito tempo atrás.
— O que você diria se eu dissesse que Lucius Malfoy controla o Ministro?
— Espera, estou tentando me lembrar da história. Malfoy era um comensal da morte, não era? Eles controlaram o Ministério no final. O que está acontecendo, Jin? — Minju perguntou confusa.
Eu encarei a bagunça que eu fiz de papéis e as muitas janelas abertas no computador, pensando em como organizaria aquilo para enviar a ela.
Se aquela bomba estourasse, tudo viraria de cabeça para baixo. Era um passo maior do que as pernas.
— Você está disposta a fazer uma loucura?
— Do que você está falando?
— De derrubar o Ministério da Magia.
Ela ficou em silêncio por um momento. Eu ouvia o som de minha respiração contra o telefone.
— Eu suponho que seja uma metáfora. Sim, estou disposta.
— Eu preciso de um endereço de e-mail seguro.
— Espera um pouco...
Ela me passou o endereço, eu desliguei o telefone e gastei pelo menos duas horas para tirar print, fotografar e organizar todas as informações de modo a ficar compreensível. Abri a plataforma de e-mails corporativos pelo endereço do meu pai e anexei os dados.
Não tinha título, não tinha texto no corpo.
Era como estar diante dos olhos do diretor da escola de novo. Olhar em seus olhos, enquanto ele me pressionava por informações. Meu pai tinha me oferecido como dedo-duro do colégio de graça. Naquele tempo eu não tive coragem de enfrentá-lo, não tive inteligência para mentir para o diretor. Eu denunciei a sala-que-tinha-virado-depósito. Prejudiquei meus melhores amigos. Eles não tinham privilégios como os meus, eles não eram protegidos e nem usados pelo diretor. Sua permanência na escola era um estorvo, filhos de ninguém, ninguém brigaria por sua educação, ninguém reclamaria dos maus tratos.
O email em branco com um único arquivo na minha frente, a seta do mouse repousando no botão 'Enviar'.
Eu estava dedurando de novo.
Eu só esperava estar do lado certo desta vez. Cliquei.
Dez minutos depois o telefone tocou, era ela.
— Você tem certeza?
— Sim.


Oiê
Eu escrevi esse capítulo pouco depois do MAMA de 2019, onde o Seokjin corajosamente se pronunciou contra "sajaegi", manipulação dos charts coreanos, na frente de toda a indústria e pediu por honestidade enquanto recebia o daesang de Música do Ano. Em 2019 o BTS reinou quase sozinho nos charts coreanos por meses e não foi diretamente afetado por essas manipulações, o Jin não precisava se importar, mas nós sabemos que ele não é esse tipo de pessoa.
É preciso muita coragem para se levantar contra uma injustiça que não é você que está sofrendo.

100 pontos para Grifinória!

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youth.Onde histórias criam vida. Descubra agora