"Talvez seja uma providência do universo"
SEOKJIN
Encarei a bagunça de gráficos, planilhas e relatórios que eu acumulei nas inúmeras janelas abertas no computador e nas folhas de papel jogadas à minha frente. Se eu pudesse definir a vida adulta em uma palavra, seria planilha. Sinceramente, eu estava tão neurótico, que criava planilhas até para as minhas compras no supermercado e eu nunca fui alguém apegado a planejamento. Eu normalmente só deixava as coisas fluírem, mas quando você é gestor de processos em uma empresa como a do meu pai, não existe essa de "deixar fluir".
Eu estava sozinho na sala de reuniões depois de uma reunião desastrosa com minha equipe. Meu pai havia me encarregado de um benchmarking na minha área, um processo de otimização do desempenho, que falando claramente, era apontar o que todo mundo estava fazendo errado e mandar fazer de novo.
É claro que ninguém gostou de ver o novato (filho-do-CEO) ensinando como fazer o próprio trabalho, eles ainda não confiavam em mim e meu pai não ajudava aparecendo no meio da reunião para ver como eu estava me saindo. Era como um atestado de incompetência.
Desliguei o notebook sem fechar as páginas abertas, um ato de rebeldia ao qual certamente eu me arrependeria, recolhi os papéis em uma pasta e decidi que não pensaria mais nisso, saíria dali mais rápido possível antes que meu pai me encontrasse. Infelizmente não fui tão rápido.
— Com pressa, Seokjin?
— Pai.
— Sente-se — ele apontou a cadeira e eu me sentei, como um cordeirinho.
Quando criança, minha mãe me obrigava a sentar com a postura correta, ou eu não poderia assistir TV. Você deve se sentar corretamente, como seu pai, ela dizia. Instintivamente, ajeitei a postura sob os olhos ferinos de meu pai. A minha infância parecia não ter fim, a sonhada independência não veio quando eu fui morar fora, não veio quando passei ganhar meu próprio dinheiro e parecia que não viria nunca.
— Sabe quantos investidores perdemos no último semestre?
"É claro que sei, cite um dado desta empresa que eu não tenha estudado, eu sei até quantos rolos de papel higiênico seu gabinete gasta para limpar a bunda por mês." era o que desejei ter respondido.
Citei os números mecanicamente.
— Eu não te trouxe aqui para fazer papel de palhaço na frente dos meus colaboradores, Seokjin — eu sentia minhas orelhas queimarem.
— Essa é a questão, pai. Para quê me trouxe aqui, afinal? — eu sustentei seu olhar cortante. Ele me encarou em um silêncio insuportável por alguns minutos.
— Você tem 3 dias para arrumar a MERDA que você fez aqui — eu arregalei meus olhos, surpreso. Meu pai nunca havia usado aquele tipo de vocabulário na minha frente antes, ele era cruel, mas nunca precisou de palavras de baixo calão para ofender ninguém — Eu não dou a mínima para como você vai convencer seu setor a te enxergar como qualquer coisa além de um moleque incompetente, faça o que for preciso. Ou eu farei.
Essa não era uma ameaça de demissão e eu sabia disso, devo dizer que seria melhor se fosse.
Ele deixou a sala sem nenhuma outra palavra. Eu enterrei a cabeça nas mãos, exausto. O celular vibrava ao meu lado, eram mensagens do grupo dos dongsaengs. Bloqueei a tela sem ver o conteúdo, não queria falar com ninguém agora.
Deixei a empresa mais cedo que normalmente, ignorando os olhares curiosos das pessoas que me atacaram na reunião mais cedo. O trabalho ficaria acumulado, foda-se. A notícia de que eu estava indo embora mais cedo certamente chegaria até o meu pai, outro foda-se. Fui até a loja de conveniência mais próxima da empresa e saí com dois litros de vinho.
As ruas estavam abarrotadas de pessoas vestidas como eu, falando rapidamente no celular, apressadas e indiferentes. Esperei me acalmar andando ao livre, observando o cenário, mas aquelas pessoas me deixavam nervoso. Talvez a vida fosse isso, palavras complicadas em inglês que explicam processos administrativos que ninguém realmente entende, que só serviam para enriquecer pessoas como o meu pai. E eu e todas essas pessoas somos só escravos desse sistema infalível.
Estava perdido nesses pensamentos pessimistas quando tropecei em alguém que corria na direção contrária.
Era uma garota. Ela trabalhava perto daqui, eu não sabia seu nome, nunca havia trocado uma palavra com ela, mas sempre a cruzava pela rua no horário de almoço. Ela pediu desculpas sobre o ombro e continuou a correr gesticulando para o ônibus que passava por ali.
No chão, tinha um caderno de capa vermelha.
Pensei em cada anime e dorama com cenas como aquela, um esbarrão, a garota derruba suas coisas e o rapaz a ajuda recolher, olhando em seus olhos profundamente. Eu sorri ligeiramente.
Gostaria de dizer que não li e que em um segundo esbarrão romântico, devolvi o caderno imaculado, pronto para trocar os olhares que não trocamos hoje quando ela me atingiu feito um jogador de futebol americano.
Mas eu li o caderno inteiro, vestido em meu pijama do Mario Bros, secando uma garrafa de vinho sozinho.
Era uma agenda, tinha os detalhes de seu trabalho, horários, prazos, contas a serem pagas, além de rabiscos entediados dos cantos. Tudo indicava que era jornalista e fã de Oasis. Ela desenhava personagens de desenhos animados nas últimas páginas. Júpiter era sua Sailor preferida. Ela tinha consulta com o ginecologista terça-feira, colocou diversos lembretes sobre a dieta antes dos exames. Ela também escrevia umas observações sobre seu dia no final das páginas, alguns se resumiam ao dia de trabalho, outros eram tão divertidos que poderiam ser mini-crônicas.
Achei romântico a ideia de alguém manter um agenda em papel nos tempos de smartphone, era impressionante o quanto se poderia aprender sobre alguém lendo sua agenda pessoal. Eu sabia o valor da sua última fatura do cartão crédito, mas não sabia seu nome.
Eu quis imediatamente dar contexto a todas aquelas informações aleatórias, quis entender quem era ela e o significado da letra de cada música que ela rabiscou preguiçosamente. De repente, o caderno era um portal para um universo inteiro inexplorado.
Bebi o último gole de vinho da garrafa montando um diálogo imaginário para o momento que eu devolvesse o caderno.
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youth.
Fanfic"O momento mais bonito da vida somos nós; é essa imagem congelada na memória, são as curvas dos nossos sorrisos, os fragmentos da nossa história, as barras pesadas que seguramos um pelo outro, o som do teu riso e as piadas que ninguém além de nós va...