Fazenda Capão Bonito - Sidrolândia (MS)

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Sidrolândia é um pequeno município situado a menos de 100 km da capital de Mato Grosso do Sul. Graças à agropecuária, a cidade têm se desenvolvido a um passo lento e constante desde a criação. Mas, se a história recente de Sidrolândia apresenta indícios de progresso, o mesmo não pode ser dito das primeiras moradias da região.

Antigamente conhecida como Capão Bonito, a região situada nas matas próximas à Serra de Maracaju era famosa por um outro tipo de atividade rural, cruel até mesmo para os padrões da época: o trabalho escravo.

Quem anda pelas matas de Capão Bonito acaba se deparando com várias ruínas arqueológicas. O vestígio mais comum é a presença de adobes, grandes tijolos de aproximadamente 60 centímetros de comprimento, 30 centímetros de largura e 20 centímetros de altura. As construções antigas da região costumavam utilizar este material. Análises de laboratório notaram vestígios de argila, água e DNA humano em amostras de adobes. Fabricado por escravos, os tijolos eram uma mistura involuntária de barro, suor e sangue de homens, mulheres e crianças, forçados a trabalhar à base de chicotadas. E estes vestígios de uma história de crueldade e sofrimento ainda contam a trágica história da fazenda Capão Bonito.

A extinta fazenda explorava e comercializava de tudo – madeira, gado, gente escravizada, lavoura, caça e outros produtos fabricados ou extraídos da natureza. Todas as mercadorias eram marcadas a ferro quente com uma figura de argola.

No arraial mais próximo era possível identificar as propriedades do senhor de Capão Bonito, o fazendeiro José Matias, um dos homens mais poderosos da região. Sua única propriedade não marcada pelo horrenda queimadura em círculo era a filha, a bela Ester Matias. Uma linda adolescente que, após concluídos os estudos fundamentais no Rio de Janeiro, retornava para os domínios da família.

Ester passava a maior parte de seus dias tediosos tricotando na varanda da Casa Grande, deixando a imaginação jovem correr solta enquanto admirava os braços fortes dos escravos que passavam de um lado a outro ocupados em suas tarefas.

João era um dos escravos favoritos da jovem Ester. Ela passou a sorrir toda vez que seus olhos se cruzavam. Mas João conhecia o pai da moça e sabia do que era capaz. E, ainda que fosse possível responder ao assédio de Ester, tinha esposa e filha na senzala. João abaixava os olhos e seguia com o trabalho sob o sol escaldante do Centro-Oeste.

Os registros não são muito claros sobre os detalhes da história. Talvez Ester tenha forçado João a se deitar com ela. Talvez tivesse lhe ameaçado a família. O caso é que a jovem engravidou e morreu tentando abortar o filho bastardo. José encontrou a filha inerte, rosto pálido, corpo mergulhado em uma banheira vermelha de sangue. Entre as pernas, o feto de uma criança negra ainda ligado à mãe pelo cordão umbilical. O que se deu a seguir ainda hoje assombra os historiadores da região.

A cerca de duzentos metros da casa grande, a senzala de Capão Bonito era uma construção circular, inspirada nas ocas indígenas. Adobes faziam as paredes avermelhadas e, no centro, uma arvore fornecia a estrutura para o telhado de folhas de sapé e também servia de tronco para os castigos físicos. A árvore frondosa tinha a base marcada por arcos de metal onde as vítimas do fazendeiro eram acorrentadas de joelhos.

Na noite em que Ester morreu, toda fortuna da família Matias foi dividida entre os oito capatazes da fazenda. Antes de partirem, os funcionários foram orientados a prender todos os escravos de Capão Bonito em torno da árvore da senzala.

Mesmo os capatazes mais sanguinários tremeram quando se deram conta do que estava para acontecer. José Matias passou a arrancar uma a uma as línguas de 30 homens, mulheres e crianças. O fazendeiro perguntava pelo pai da criança que havia matado sua filha. Diante da recusa do escravo, Matias atravessava a língua do interrogado com um gancho enferrujado e a arrancava. Algumas das vítimas morreram lentamente, afogadas no próprio sangue.

Diante do horror de tanto sofrimento, João se entregou, tentando se sacrificar para acabar com o massacre. José Matias foi até o escravo e o olhou em fúria. "Você será o último a morrer", declarou.

Matias ordenou aos os capangas cobrissem os rostos dos escravos com panos encharcados com o sangue dos que já haviam morrido. Assustados, os capatazes tentaram dissuadir o patrão, mas ele ordenou que se retirassem da fazenda e não olhassem para trás. Temendo o envolvimento com a chacina pretendida pelo patrão, obedeceram e partiram.

O que aconteceu naquela noite na fazenda Capão Bonito nunca será totalmente esclarecido. Mas as evidências deixadas pelo massacre assombram a história de Sidrolândia até hoje.

No dia seguinte, o capataz mais velho sentiu-se obrigado a retornar à sede. Já no caminho, a coluna de fumaça anunciava o pior. Pouco restara da senzala e da casa grande. Apenas os adobes resistiram ao fogo que consumiu suas estruturas. Para a surpresa do velho capataz, não havia sinais dos escravos vivos ou mortos. Em toda a fazenda, apenas o corpo carbonizado de Ester fora encontrado no que sobrara da casa grande.

Mas, foi nos restos da senzala que o capataz encontrou algo inexplicável. Acorrentado à árvore, o corpo de José Matias jazia sem vida, despido. Sua pele coberta por marcas de queimaduras circulares, iguais as usadas na identificação do rebanho. O rosto coberto por um trapo embebido em sangue. A língua cravada nas próprias costas com um gancho enferrujado.

A Sede da Fazenda e a senzala ainda mantém seus vestígios de pedras e os túmulos do poderoso proprietário das terras e da filha. As duas construções são referências na comunidade rural como locais místicos e mal-assombrados. A árvore que serviu de tronco para tantas torturas ainda permanece viva no local. Para alguns, o chá de sua casca tem poderes mágicos e cura dores do corpo e da alma.

Mas, para colher o ingrediente, a superstição manda que a extração seja feita em noite de lua cheia. Os corajosos que se aventuraram na conclusão desta receita afirmam terem visto vultos na mata. Figuras humanas, com os rostos cobertos por um trapo vermelho.

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