O esporte, assim como a arte e a religião, é uma das formas que os seres humanos encontraram para dar sentido à vida. Através do esporte estabelecemos relações, reafirmamos nossos valores, sedimentamos nosso pertencimento à comunidades e celebramos nossas tradições.
Para muitos, o papel de torcedor é a forma ideal de participação do fenômeno esportivo. O torcedor escolhe a modalidade, o clube, o ídolo e constrói a própria identidade em torno dessa paixão.
Para outros, a arquibancada não basta. Esses tentam viver o sonho da realização profissional nas quadras do mundo. É um caminho difícil, para poucos, que exige iguais medidas de dedicação, sacrifício e talento nato.
Esses raros indivíduos que conquistam o estrelato esportivo ganham um status sobre-humano. Viram ídolos com dinheiro, prestígio e influência sobre os súditos que celebram sua presença em cada lance da vida profissional pelas arenas do mundo.
Mas, no caso de alguns astros esportivos, esta presença pode ser sentida muito depois de suas mortes.
Ana Maria do Couto nasceu em Cuiabá em 1925. Ainda na infância, recebeu o apelido de May, dado pelo irmão que não conseguia pronunciar seu nome.
May do Couto era uma mulher progressista para os padrões da época.
No atletismo, sua especialidade era o arremesso de disco. A explosão muscular de May era tamanha que os lançamentos culminavam com um grito profundo, que ecoava pela arena e impressionava o público. Hoje em dia os gritos de atletas como as tenistas irmãs Williams são parte do espetáculo. Mas, na década de 40, Maria do Couto era excêntrica para os padrões da sociedade, o que adicionava uma nova camada de interesse do público sobre a novata cuiabana.
Foi a primeira esportista mato-grossense a vencer uma competição fora do estado. Em 1944, foi campeã carioca de arremesso de disco pelo Fluminense do Rio de Janeiro.
No auge da forma física, em 1945, retornou à Cuiabá com o diploma do curso de Educação Física obtido na Universidade Federal do Rio de Janeiro e abandonou o atletismo.
O prazo de sua bolsa de estudo acabara, e ela não aceitou o convite para continuar na antiga capital federal: o amor à sua terra e à família falou mais alto.
Carismática, linda e inteligente, não demorou a entrar em choque com a sociedade matogrossense.
Foi a primeira professora de Educação Física concursada no estado e ousou usar "shorts" para ministrar aulas de educação física. Um absurdo para os padrões a época.
Nos início dos anos 50, começou a se dedicar à comunicação. Foi a primeira locutora de notícias de Mato Grosso, em 1952. Em 1969, tornou-se apresentadora de um programa de televisão, e, em 1970, foi registrada como jornalista autônoma.
Em 1962 foi eleita vereadora pelo PTB em Cuiabá, e ainda nesse ano colou grau em Ciências Jurídicas e Sociais com a primeira turma da Faculdade de Direito de Mato Grosso. Em 1965, tornou-se a primeira mulher a assumir a Presidência da Câmara Municipal de Cuiabá. E em 1967, tornou-se Promotora da Auditoria da Polícia Militar de Mato Grosso.
Aos 43 anos, Ana Maria foi diagnosticada com um câncer maligno. Como tudo em sua vida, não deixou que a doença a afastasse de seus objetivos.
Acredita-se que Ana Maria do Couto foi a primeira mulher no Brasil a assumir a presidência de um clube de futebol. Em 1971, foi eleita Presidente do Clube Esportivo Dom Bosco. Infelizmente, seu mandato durou pouco. Seis meses depois da posse, May precisou se afastar. As dores extenuantes do câncer a deixavam muito debilitada. Não era incomum que os vizinhos ouvissem sua agonia nas madrugadas de Cuiabá. Aos 46 anos, Ana Maria do Couto deixou este mundo. Mas sua marca na história e na vida dos mato-grossenses vive ainda hoje. Escolas, conjuntos habitacionais, a sede da promotoria de justiça do município Barra do Bugres, praças em Cuiabá, são vários os prédios públicos que levam o nome de May. Mas talvez nenhum deles seja mais apropriado que o Ginásio esportivo em Cuiabá, onde muitos frequentadores podem exercer a paixão que motivou a vida da atleta.
Dizem os vigias que trabalharam no local que, durante a noite, é comum ser surpreendido por um som agudo, como um grito, que surge do nada. Muitos dizem que se trata do espírito de Ana Maria do Couto, ainda reverberando as dores de seus últimos dias de vida.
Outros, preferem acreditar que se trata de May retornando aos seus dias de juventude, explodindo força e vitalidade, quebrando recordes e arremessando discos em direção ao infinito, rumo a um outro mundo.
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Brasil Sombrio
TerrorUma coletânea de histórias e contos sobre as assombrações mais conhecidas de cada estado brasileiro. Relatos que misturam medo e superstições com acontecimentos históricos, criando um reflexo do nosso país que é, ao mesmo tempo, fascinante e apavora...