Em 1881, Manaus vivia o auge do ciclo da borracha. Era uma das mais prósperas cidades do mundo, embalada pelas riquezas da seringueira, altamente valorizada no admirável mundo novo da revolução industrial. Os mais poderosos empresários da época costumavam vir até a cidade fechar contratos milionários de exportação de látex. Tanta prosperidade e fortuna acabaram despertando um sentimento de rivalidade com uma outra cidade da região. Belém, que também se oferecia como alternativa para o comércio da borracha amazonense.
Buscando seduzir os investidores mais exigentes, Belém iniciou a construção do Theatro da Paz, uma casa de ópera nos moldes dos melhores teatros do mundo. O empreendimento acabou mexendo com o orgulho dos cidadãos amazonenses. Se Belém pode, Manaus deve, diziam os cidadãos mais passionais.
O deputado A. J. Fernandes Júnior apresentou o projeto de autoria do Gabinete Português de Engenharia e Arquitetura de Lisboa, que foi aprovado pela Assembléia Provincial do Amazonas em 1883. Inicialmente houve uma polêmica sobre a localização do empreendimento. Muitos se opuseram a construção de um teatro no Largo de São Sebastião. Seria de mau gosto erguer um lugar de risos, aplausos e música no mesmo terreno onde escravos eram açoitados publicamente. Muitos sangraram até a morte naquela praça. Mas as obras começaram no ano seguinte, uma vez que a cidade decidiu que era o momento de enterrar aquele passado triste. Ironicamente, várias ossadas foram desenterradas nas escavações para a fundação do prédio.
Arquitetos, construtores, pintores e escultores vieram da Europa para trabalhar no ambicioso projeto. A decoração interna ficou ao encargo de Crispim do Amaral. Crispim coordena também a estrutura do palco: pinturas, telões de cena, bastidores, as engrenagens para o maquinismo do palco e assentamento das cadeiras da plateia, além do frontão externo, onde figuram em baixo relevo as alegorias da ópera e da arquitetura.
Para os amigos mais próximos, Crispim confessou sua fonte de inspiração secreta. Durante os trabalhos em Manaus, o artista era constantemente atormentado pelo som do choro de crianças. Vultos atravessavam seu campo de visão durante as noites de trabalho nas galerias. Era como se o teatro fosse constantemente visitado por crianças zombeteiras.
Crispim acabou incorporando essas imagens no que se tornaria sua pintura mais conhecida: no pano de boca do palco, uma mulher repousa sobre as águas, rodeada por figuras semelhantes a zéfiros. Um homenagem às misteriosas crianças que lhe fizeram companhia em sua empreitada amazonense.
Durante 13 anos as obras do Teatro Amazonas também foram marcadas por infortúnios e trágicos acidentes. Um exemplo particularmente sombrio é o grandioso lustre dourado com cristais, importado de Veneza, que ainda hoje desce até ao nível das cadeiras para manutenção e limpeza. Acredita-se que o famoso lustre tenha empalado um dos técnicos responsáveis pela instalação. Os registros não são muito detalhados, mas também há relatos de mortos por desabamentos, quedas e - principalmente - malária, além de outras doenças tropicais que vitimaram muitos trabalhadores do velho continente.
O prédio foi finalmente inaugurado no dia 31 de dezembro de 1896, com capacidade para 701 pessoas. E mesmo depois de aberto ao público, o Teatro Amazonas continuou clamando vidas.
Em 1912, uma companhia italiana chegou a Manaus para encenar "A Dama das Camélias". Um dos astros da companhia, o respeitável ator Frederico Rossi, interpretava o pai de Armand, personagem reservado para os intérpretes mais experientes. Mas, durante o ensaio geral, ele desfaleceu em cena, plenamente trajado de figurino e maquiagem, vítima de malária.
Em 1965, o diretor B. De Paiva encenava a peça Um Uísque para o Rei Saul. Na véspera da estreia, uma jovem e promissora atriz ensaiava no palco do Teatro Amazonas para uma platéia de amigos. De repente, sua performance foi interrompida por um grito de horror. O assistente do diretor, um argentino que fazia a contra-regragem do espetáculo, encontrou um homem idoso vestindo roupas do século XVIII e um triste sorriso no rosto. A figura fez uma reverência ao assustado rapaz e desapareceu em pleno ar. O assistente fugir aos berros, interrompendo a jovem atriz Glauce Rocha que ensaiava no palco logo acima.
Como afirmaria um dos administradores do Teatro Amazonas: toda ópera que se preza tem o seu fantasma. Ou vários deles.
A pianista Gerusa Mustafa preparava-se para um recital no Teatro Amazonas. Como toda virtuosa musicista, Gerusa primava pela preparação acústica do ambiente onde se apresentava. Por isso, pediu para praticar por algumas horas sozinha antes do espetáculo. Depois de alguns momentos absorta numa execução inspirada, Mustafa ouviu aplausos vindos da plateia. Surpresa, virou-se para agradecer, mas não havia mais ninguém no recinto. Foi a última vez que Gerusa ensaiou sozinha no Teatro Amazonas.
Segundo o poeta Farias de Carvalho, há quase um elenco completo de almas torturadas vagando pelas coxias do Teatro Amazonas. Muitos artistas europeus sucumbiram aos males dos trópicos e ficaram por ali mesmo, talvez por não haver "repouso eterno" melhor para um ator que o próprio teatro. No entanto, outros espíritos residentes não encontraram fins tão pacíficos.
Em 1899, o maestro brasileiro Genivaldo Encarnação, encantou-se com o Teatro Amazonas. Não apenas com o teatro, é importante que se diga. Conhecido bon-vivant, Genivaldo se tornou um assíduo frequentador dos cabarés amazonenses. Em especial, da tradicional "Pensão da Mulata", onde o regente conheceu e se apaixonou perdidamente por Gioconda, uma italiana de olhos azuis e cabelos loiros. Genivaldo tentou resgatar sua amada e levá-la consigo para o Ceará. Fazer dela uma "mulher honesta". Mas Torres, o dono do cabaré, não estava disposto a deixar sua única "galega" ser resgatada.
O maestro, por sua vez, estava hipnotizado pelo amor. Planejou uma fuga na madrugada. O plano era colocar Gioconda em um navio e fugir pelo rio. Torres os surpreendeu quando o casal tentava deixar a Pensão. Os ânimos se exaltaram. Genivaldo levou oito facadas e jamais deixou Manaus.
Ainda hoje, as histórias e os relatos misteriosos são um espetáculo à parte no Teatro Amazonas. Algumas pessoas dizem que é possível ver vultos e ouvir vozes nos camarins e camarotes. Aplausos ecoam em salas vazias. Refletores piscam no meio da noite. Funcionários relatam que vários objetos desaparecem e reaparecem sem qualquer explicação.
Entre os funcionários mais experientes do Teatro Amazonas, é costume dizer que só é possível avaliar um novo contratado depois de seu primeiro encontro com "o elenco fixo" da casa. Não são muitos os que escolhem permanecer no emprego depois desta "entrevista final".
Apesar de tantos relatos assombrosos, o Teatro alcançou o status sonhado pelos seus idealizadores: um símbolo de uma era de progresso e riqueza. Um motivo de orgulho para os cidadãos da cidade. E mesmo o seu lado obscuro foi acolhido pela população, que compartilha as fantásticas histórias dos espectros residentes no prédio.
Dizem, por exemplo, que todos os anos, no dia 31 de dezembro, aniversário do teatro, é possível ouvir a ópera "La Gioconda" sussurrada integralmente, sob a batuta do maestro Genivaldo Encarnação. Para aqueles que procuram um programa para o reveillon, considerem-se convidados para esta inusitada atração artística: assistir à ópera dos espíritos nas galerias escuras do Teatro Amazonas.
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Brasil Sombrio
HororUma coletânea de histórias e contos sobre as assombrações mais conhecidas de cada estado brasileiro. Relatos que misturam medo e superstições com acontecimentos históricos, criando um reflexo do nosso país que é, ao mesmo tempo, fascinante e apavora...