O Teatro Santa Roza - João PEssoa (PB)

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A mais inconfundível forma de expressão da condição humana é a arte. Há quem dia que é através dela que nos comunicamos com a divindade. Há os que digam que são apenas manifestações de nossas vaidades e egocentrismos.

De qualquer maneira, seria muito difícil imaginar um mundo sem os empreendimentos artísticos da raça humana.

Já na renascença, os ricos e poderosos perceberam a importância das empreitadas artísticas para a cultura das nações. Mecenas famosos como Lorenzo e Cosme de Médici financiaram o trabalho de Da Vinci, Michelangelo, entre outros. Pois, se não haviam nascido com o dom de transformar matéria prima em obra prima, tinham o dom de viabilizá-la através da fortuna.

No Brasil, os mecenas também marcaram presença na construção do nosso legado cultural. Ainda que os motivos, em alguns casos, tenham sido menos nobres que macabros.

Os últimos anos do império foram conturbados. O clima de incerteza com a iminente chegada da república faziam o povo - e particularmente os poderosos da época - muito apreensivos.

Nada incomodava mais a aristocracia brasileira do que um cenário de mudanças e incertezas. Não bastasse a Lei Áurea recentemente aprovada, o fim do Império, dado como favas contadas, colocava os nobres do país numa situação de desconforto. Na Paraíba, o governante Francisco da Gama Rosa gastava todo seu capital político para apaziguar os coronéis da região, preocupados com a manutenção do Status Quo.

Teodoro Regente, o Coronel Teodoro, como gostava de ser chamado, era um dos mais aflitos. Sua idade avançada era a justificativa para a dificuldade em se "adaptar" aos novos tempos.

O Coronel era um fazendeiro "tradicionalista". Na época, isso significava dizer que suas propriedades ainda eram repletas de escravos, muito embora a lei assinada pela Princesa Isabel tornasse tal modelo de negócio ilegal, além de imoral.

Muitos abolicionistas compraram a briga e trataram de denunciar Teodoro para as autoridades e os jornais da região.

Acontece que a força da influência política do coronel era inegável. As denúncias raramente eram investigadas. E, quando isso ocorria, poucas consequências se faziam notar.

Quanto à imprensa local, os repórteres corajosos o bastante para levar o caso a fundo acabavam desencorajados pelos editores. E alguns deles acabaram abandonando a profissão definitivamente.

Os cochichos em João Pessoa davam conta de casos estarrecedores do revanchismo do coronel. Muitos afirmavam que os adversários políticos acabavam enfrentando fins trágicos.

A quem perguntasse, o Coronel respondia com um sorriso cínico: "Eu nego tudo. Nego!".

A notícia do fim do império encheu o povo da cidade de expectativa. Com os republicanos assumindo o poder, talvez fosse o caso de que a verdade sobre os crimes do Coronel viessem a tona.

Para a surpresa de todos, Teodoro decidiu receber a mudança de braços abertos. Organizou uma grande quermesse na entrada da propriedade, que se estendia até praticamente o centro da cidade, e anunciou que a Paraíba devia se preparar para o futuro. Como prova de seu comprometimento com o novo regime, financiou a construção de um grande teatro, o primeiro da Paraíba.

Com o estilo arquitetônico greco-romano e revestimento de madeira, tipo "Pinho de Riga", o teatro de 412 lugares foi inaugurado em 3 de novembro de 1889, recebendo o sobrenome do governante Francisco da Gama Rosa. Francisco ainda teve a sorte de inaugurar o teatro as vésperas de perder o mandato, já que doze dias depois seria proclamada a República.

Após a Proclamação da República, o primeiro governante republicano, Venâncio Neiva, chegou na cidade disposto a impor uma nova ordem. Uma de suas primeiras ordens foi mudar o nome do teatro para "Teatro do Estado". Curiosamente, o ato foi revogado. A resistência política deixou Neiva incomodado com aquele centro de cultura, que acabara se tornando um símbolo da resistência ao novo regime. O governante tentou então demolir a obra e reconstruí-la em uma outra localidade. A justificativa foi o fato de que o centro cultural era localizado numa área pouco nobre. O novo teatro respeitaria o projeto arquitetônico, mas seria erguido numa região mais valorizada de João Pessoa. Curiosamente, o governador foi assassinado antes de pôr o plano em prática.

Uma dos últimos registros de atividade pública do Coronel Teodoro foi a assembleia onde foi criada a bandeira da Paraíba. Realizada dentro do teatro Santa Rosa, a assembléia escolheu as cores preto e vermelho para o novo símbolo do estado. Também foi nesta ocasião que foi votado o nome da bandeira: a palavra"NEGO" .

Nos 116 anos de sua existência, o teatro Santa Rosa já apresentou grupos musicais, teatrais, espetáculos de dança e afins. A estrutura de madeira também já sofreu inúmeros reparos. Com a evolução tecnológica, arqueólogos e historiadores que trabalham na manutenção e restauração do prédio histórico puderam fazer testes de ressonância e utilizar aparelhos sensíveis para analisar as fundações do prédio.

Entre as suas descobertas, uma foi particularmente estarrecedora. Sob a fundação do teatro, há uma vala comum, repleta de ossadas. A estimativa é que haja centenas de corpos enterrados sob os alicerces do prédio.

Há os que digam se tratar de escravos que tentaram fugir. Até mesmo adversários políticos. Aquela vala comum era o destino final de todos que cruzavam o caminho do Coronel Teodoro.

A opção pela construção do teatro naquela exata localidade fora mais um subterfúgio do coronel. Para uns, uma forma de garantir que seus crimes jamais fossem descobertos. Para outros, simplesmente uma derradeira demonstração de poder do último coronel paraibano do Império.

Ainda hoje o Teatro Santa Rosa está em atividade, recebendo espetáculos e encantando a plateia.

Mas, nas noites sem pauta, os vigias e funcionários garantem que não há silêncio. Portas batem, risos e choros ecoam, vindos do nada.

E, os corajosos que se dispuserem a tanto, podem tentar encostar o ouvido no palco centenário. Há quem diga que é possível ouvir um estarrecedor arranhar, vindo do coração da terra. 

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