Museu do Primeiro Reinado - Rio de Janeiro (RJ)

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Em muitos aspectos, a história da cidade do Rio de Janeiro se confunde com a história do Brasil. Especialmente depois que a família real desembarcou por lá. Diversas construções da época do império ilustram esse momento em que a nobreza portuguesa decidiu se instalar em solo brasileiro. Em São Cristovão, junto à Quinta da Boa Vista, ainda existe o casarão que serviu de moradia da Marquesa de Santos. Segundo os relatos mais indiscretos, a Marquesa era amante de D. Pedro I, que decidiu comprar a residência como um presente para a amada.

Hoje, a construção abriga o Museu do Primeiro Reinado. Um lugar que atrai visitantes fascinados com a história do Brasil imperial. Turistas que vem de todos os cantos transitam pelas salas suntuosas, tentando vislumbrar um pouco do passado de glórias daquele mundo imperial.

Em 1987, o museu recebia poucas visitas. A maior parte delas era de admiradores da personalidade histórica da Marquesa de Santos, considerada uma mulher à frente do seu tempo.

Talvez a maior destas fãs fosse Maria Tereza Duarte. Uma jovem moradora do bairro de São Cristovão que costumava fazer visitas diárias ao museu.

De acordo com os funcionários do prédio, Maria Tereza começou a frequentar o local durante uma visita escolar, quando o professor de história trouxe os alunos para conhecer de perto os artefatos do Primeiro Reinado.

Essas visitações, como todos sabem, raramente causam mais do que motivos para distrações e quebras de rotina escolar entre os estudantes. Mas algo capturou o imaginário da jovem Maria Tereza.

Há quem diga que foi uma pintura do rosto da Marquesa. Outros afirmam que foi a suntuosidade dos aposentos. O fato é que a menina ficou fascinada com o que viu.

Na semana seguinte, Maria Tereza voltou ao museu. Desta vez, estava desacompanhada. Mas tomou o cuidado de usar o uniforme de escola pública estadual e misturou-se aos outros grupos que frequentavam o local naquele momento.

No quarto dia seguido em que Maria Tereza foi avistada pelos corredores da casa, os funcionários do museu decidiram intervir.

Os pais de Maria Tereza foram comunicados. Mais precisamente, a mãe foi alertada, já que o pai falecera pouco depois do nascimento da menina. A mãe, de acordo com a equipe do museu, não demonstrou muita preocupação e parecia incapaz de concatenar as ideias. A voz arrastada sugeria embriaguez. Os funcionários se sensibilizaram com a situação de Maria Tereza. Talvez não fosse a melhor coisa enviar a menina de volta para a casa, sob os cuidados de uma mãe alcoólatra.

Pelo menos enquanto estivesse no museu, estaria sob a supervisão de adultos responsáveis.

O problema é que Maria Tereza continuou retornando, dia após dia. Uma secretária da administração do museu tentou convencê-la a retornar aos estudos, mas foi inútil.

Tudo que a adolescente dizia é que se sentia em casa no Museu. Sentia como se fizesse parte da história do país. Ali, sentia-se importante, como a Marquesa.

Quando a presença insistente de Maria Tereza chegou aos ouvidos dos administradores gerenciais, as autoridades foram acionadas. O juizado especial de menores interveio e Maria Tereza foi escoltada por policiais de volta à sua casa.

No dia seguinte, ela estava de volta ao museu, e os funcionários sentiram a dor do remorso. As marcas arroxeadas nas pernas e braços mostravam que a mãe não ficara contente com a chegada acompanhada pela polícia.

A equipe de manutenção predial do museu formou um pacto de proteção em torno de Maria Tereza. Enquanto o museu estivesse aberto, teria um porto seguro na casa da Marquesa de Santos.

De certa forma, Maria Tereza tornou-se uma espécie de mascote da equipe. Até serviu de guia para alguns grupos escolares, já que conhecia como ninguém as histórias de cada objeto exposto no museu.

No final da década de 80, a prefeitura decidiu que o museu deveria ser fechado para reformas estruturais e deu férias coletivas para todos a equipe.

Os funcionários ficaram apreensivos com a situação de Maria Tereza, mas logo se conformaram. Afinal, seriam apenas alguns meses. A menina conseguiria ficar alguns meses longe do museu e em segurança, não conseguiria? Maria Tereza assegurou-os que ficaria bem.

Os funcionários se despediram da menina ao por-do-sol do último dia e trancaram o portão de acesso ao museu.

A reforma, que deveria durar um mês, levou oito.

Finalmente renovado, o museu reabriu em 1990. A maior parte dos funcionários foi remanejada durante o período da reforma. Alguns se aposentaram. A reinauguração foi tocada por uma equipe totalmente nova.

E não demorou para que os novatos percebessem a presença de uma jovem de cabelos cacheados passeando pelos corredores renovados. Especialmente nas horas próximas do fim do expediente, era comum se deparar com a figura de uma jovem magricela se esgueirando pelo mobiliário. Por mais que tentassem, os membros da nova equipe nunca conseguiam alcançá-la. Parecia desaparecer pelos corredores tortuosos do prédio.

Um dos vigias resolveu investigar o caso a fundo e contactou a antiga secretária do local, procurando pistas sobre prováveis invasores. O nome de Maria Tereza foi imediatamente citado.

Agora que a invasora tinha um nome, o vigia não tardou a tentar contato com a mãe. O que ele encontrou foi uma mulher destruída pela culpa.

A mãe de Maria tinha largado a bebida e agora era uma fervorosa frequentadora da igreja. Afirmou que o vício fora responsável pela perda da filha, desaparecida há mais de um ano.

A revelação confundiu o vigia. Estaria Maria Tereza vivendo no museu, escondida a tanto tempo?

Ninguém parecia acreditar naquela possibilidade. Mas as aparições nos corredores ficaram cada vez mais frequentes. E como não havia indícios de entrada ou saída, o vigia estava convencido de que Maria devia estar escondida em algum aposento do museu.

Após alguns contatos com o departamento responsável, os funcionários do museu tiveram acesso à planta da reforma e constataram que algumas paredes não constavam do plano inicial e foram adicionadas como reforço estrutural. Em outros casos, para auxiliar no fluxo de pessoas pelo prédio. Uma das paredes fechara a entrada de uma antiga despensa da cozinha colonial da casa. E essa despensa seria um esconderijo ideal para uma jovem buscando abrigo.

Ninguém na prefeitura deu ouvidos aos loucos pedidos de um vigia para que uma parede fosse derrubada. Com o passar dos anos e as cada vez mais frequentes aparições, a presença de Maria Tereza deixou de ter um caráter transgressor e passou a ser vista como sobrenatural.

Mas foi só na reforma de 2008 que a secretaria de cultura decidiu restaurar o museu à sua planta original.

A parede da antiga dispensa veio abaixo, revelando um esqueleto trajando um vestido, cercado de livros de história, uma boneca de pano pousada em seu colo.

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