Capítulo Quatro

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São Paulo, 21 de fevereiro de 2018.
11:21

O tempo estava frio naquela manhã. O céu com um tom escurecido e o vento assobiando no ar, indicava que logo mais iria chover.

Assim que Valentina recebera aquela ligação, não pensou duas vezes ao correr de imediato até lá. O lugar que sempre deixava seu coração apertado ao ir embora.

Como o trânsito estava terrível justamente naquele dia, não viu outra alternativa a não ser se enfiar no meio daqueles carros. Passava com dificuldade, sentindo a brisa fria contra seu rosto.

Sentiu um aparelho vibrar no bolso de sua calça, mas ignorou. Não estava em uma boa situação para falar com ninguém.

Desviou dos vários carros e motocicletas que estavam parados e não paravam de buzinar um só instante. O que era algo extremamente irritante.

Andou o mais depressa possível e sentiu seu ar faltar ao ver a entrada do lugar. Respirou fundo e deslizou a porta feita de vidro acrílico. Caminhou em direção a uma recepcionista atrás de um balcão feito de mármore branca. A mulher que possuía algumas olheiras embaixo dos olhos e de aparência cansada, lhe fitou.

- Bom dia! Vim visitar Bethânia Luz.

- Bom dia! O que a senhorita é dela?

Valentina sentiu um nó se formar em sua garganta.

- Neta. Sou a neta dela.

A mulher olhou alguns papéis e Valentina sentiu sua garganta secar. Voltou a lhe fitar com um semblante sério. Ela chama uma das enfermeiras que transitava por ali e pediu para que a acompanhasse.

Valentina a seguiu pelo local e sentiu suas mãos suarem a cada passo dado. Entraram em um lugar ao ar livre, que a garota presumiu ser o jardim.

Tinha flores por quase todos os lados e um fraco cheiro de naftalina.

Num lugar, não muito longe, uma senhora com cabelos bancos como algodão estava sentada em uma cadeira.

- Como ela está? - Valentina ousou perguntar a enfermeira.

- Não muito bem. A cada dia parece que sua memória vai se desvaindo aos poucos.

- Mas ela pode melhorar, não é?

Valentina estava esperançosa. Ela queria estar.

- Preciso ser sincera com você, Valentina. Sua avó não está bem, embora ainda consiga se lembrar de algumas coisas. Mas são muito poucas e seu quadro de melhora não tem evoluído. - a enfermeira encarou os olhos marejados de Valentina e pôs sua mão em seu ombro. - Fizemos tudo que é humanamente possível, Valentina. Sinto muito.

Ela girou em seus calcanhares e se afastou. Valentina andou lentamente na direção da senhora e se agachou em sua frente.

A mulher ergueu sua cabeça lentamente. Sua pele enrugada mostrava todos os sinais e marcas do tempo. Ela parecia tão frágil quanto uma flor.

- Quem é você?

Valentina sorriu. Não um sorriso de felicidade, mas um sorriso que mascarava a dor que sentia.

- Me chamo Valentina e sou sua neta.

A mulher sorriu suavemente e ergueu as falhas sobrancelhas.

- Minha neta?

Valentina levantou-se e sentou no banco ao lado da cadeira, pegando delicadamente as mãos dela.

- Sim, vó. Não se lembra de mim?

A mulher parecia maravilhada. Tocou delicadamente no rosto de Valentina e a mesma fechou seus olhos por breves segundos.

- Você é muito bonita, Valentina.

A garota sorriu e beijou a mão da mulher.

- Sabe, vó, eu tenho um amigo e o nome dele é Zion. Acho que ele tem o cabelo mais legal de todos que já vi. Nos conhecemos em uma festa em Beverly Hills e acredita que foi Mariana que me empurrou pra ele? - Valentina riu nasalmente. - Tenho certeza que vocês se dariam bem.

A mulher ouvia tudo com atenção, porém não demonstrava emoção. Valentina sentiu uma dor imensa em seu coração. Não sabia que sua avó estava tão mal. Da última vez que viera lhe visitar, ela parecia estar melhorando. Os médicos diziam isso. Ou talvez fosse apenas sua mente lhe dizendo o contrário do que os médicos falavam.

- Querida, por que está chorando?

Valentina sentiu que iria desabar ali mesmo. Não aguentava vê-la assim. Isso era excessivamente pesado para ela. Enxugou suas lágrimas e sorriu para ela.

- É que eu lembrei de um filme triste.

- Não chore, querida. Eu estou aqui, Valentina. Sua avó está aqui.

A senhora deslizou seu indicador sobre a bochecha molhada da garota e Valentina suplicou para que tudo aquilo não passasse apenas de um sonho. Ela havia se lembrado dela. Estava se lembrando quem era Valentina.

- Posso lhe dar um abraço, vó? - assim que a mulher deixou, Valentina lhe abraçou. Um abraço que a fez chorar ainda mais. Sentiu os fios finos do cabelos dela em contato com seu rosto e afagou-os. - Eu te amo muito, vó. Nunca se esqueça disso.

A mulher também que falou que a amava e aquilo fez seu coração aquecer. Valentina não queria soltá-la. Queria ficar ali por mais tempo, ou, talvez, para sempre. Era o melhor abraço que já havia recebido em toda a sua vida.

Assim que partiu o abraço devagar, a senhora fitou o rosto dela. Sua expressão estava inexpressiva e parecia confusa.

- Você é tão linda, minha jovem. Qual o seu nome?

Aquilo fez a expressão feliz de Valentina desaparecer. Tinha voltado a estaca zero novamente. No instante em que iria falar algo, a mesma enfermeira de antes apareceu.

- Valentina, o tempo de visita acabou.

A garota lhe encarou, atônita.

- Mas já?

- Gostaria de deixá-la ficar mais, mas não posso. Desculpe.

Valentina assentiu. Encarou novamente a mulher confusa em sua frente e beijou sua mão. Abraçou-a mais uma vez e sussurrou em seu ouvido que a amava. A mulher apenas sorriu, mesmo sem saber quem era aquela jovem.

Ela se levantou e a enfermeira lhe acompanhou. Vez ou outra, Valentina olhava para trás, para vê-la uma última vez. Queria ter sua imagem gravada na mente. Não queria esquecê-la, mesmo sabendo que haveriam poucas oportunidades de estar novamente com ela.

Come To Brazil • 𝐙𝐢𝐨𝐧 𝐊𝐮𝐰𝐨𝐧𝐮Onde histórias criam vida. Descubra agora