M E N T E

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- o que disse?
Marcus parou e observou de cima a baixo o ser que estava a sua frente, sentado em uma cadeira, num ambiente totalmente negro, sem nenhuma outra cor presente. O tal ser utilizava um tipo de sobretudo com capuz que cobria todo o seu corpo, não deixando sequer as mãos de fora. O homem de roupa completamente prateada então lhe disse:
- chegue mais perto, eu não te farei mal algum.
- me desculpa, é que eu não faço ideia de onde estou e a última coisa de que me lembro foi de ter levado um tiro e caido. Sabe o que...
- você está dentro da sua mente Marcus! Isso tudo é o seu consciente. Você está em coma nesse momento, só estamos eu e você aqui.
- em coma? Meu deus eu preciso voltar! Minha mãe e meus amigos eles... Eles precisam de mim!
- você voltará, mas demorará algum tempo. Sente-se aqui nesta cadeira Marcus, nós precisamos conversar.
- certo.
Marcus se sentou na cadeira única naquele infinito mar de escuridão e olhou ao seu redor, tudo era negro e tudo parecia tão grande. Ele se perguntou como aquilo estava acontecendo, e como ele podia estar falando com aquilo dentro de sua própria mente? O pensamento de Marcus foi interrompido pela voz do ser que retirou o capuz enquanto dizia:
- eu disse que sou você!
Marcus pasmou! O homem era idêntico a ele, o mesmo corte de cabelo com um topete de lado, os mesmos olhos castanho escuro profundos, o mesmo olhar diferente de qualquer outro que Marcus já tenha visto. Aquele era ele mesmo.
- como isso é possível? Eu estou conversando comigo mesmo dentro da minha mente enquanto meu corpo está paralisado numa cama de hospital?
- exatamente, seu corpo está imobilizado mas sua mente não, automaticamente você foi trazido para esse estado mental aqui. Seu único companheiro nesse exato momento sou eu. Eu não sou um fantasma, espírito ou deus, não sou nada de paranormal. Eu sou apenas a sua própria mente conversando com você. E sua mente criou esta forma aqui para poder se manifestar de forma mais simples.
- cara isso é muita loucura.
- sim de fato é. Mas não estamos aqui para ficarmos apenas discutindo o que eu sou ou não sou.
- acho que sim. Então, o que quer falar comigo?
- primeiramente, como você está se sentindo nesse momento Marcus?
- não sei dizer muito bem. Eu estou mega confuso por isso que tá acontecendo agora, mas ao mesmo tempo estou sentindo uma paz muito grande.
- certo, as coisas tem sido difíceis para você nos últimos tempos não?
- muito... Ter ficado no reformatório foi muito tenso. Foi tão complicado e tá sendo ainda. Eu nem sei direito como vai ser agora, eu tava prestes a sair e fiz aquilo tudo.
- sabe o que fazer com relação a isso Marcus, quando chegar a hora você saberá o que fazer. O que você pensa com relação a sua mãe?
- minha mãe? Ah ela é uma pessoa incrível. Eu me sinto muito mal de ter ido pro reformatório e a deixado sozinha. As coisas estavam tão complicadas quando entrei lá. Mas era melhor me isolar e não deixá-la ver como as coisas estavam do que a deixar preocupada com meu estado todas as vezes que fosse me visitar.
- você a ama?
- claro que sim, ela é tudo pra mim e, eu jamais queria ter a deixado triste.
- então desfaça o que fez de errado a ela. Dê um abraço apertado assim que puder. Mostre a ela o quando você é grato por tudo o que teve.
- é eu quero muito fazer isso. Assim que eu a ver eu vou a abraçar muito forte.
- e sua avó? O que pensa sobre ela?
- minha vó também é uma pessoa muito boa, mas minha família já a julgou muito! A gente teve que se afastar de muita gente por causa disso. Ela definitivamente não merece todo o ódio que recebeu.
Nesse momento lembranças de momentos humilhantes pelo qual a avó de Marcus já passou vieram em sua mente. Marcus acabou deixando uma lágrima escorrer pelo seu rosto.
- você a ama?
- muito. Depois que ela descobriu que estava doente tudo mudou. Ela mal consegue falar e tem que viver na cama, deve ser uma vida horrível saber que tem um mundo todo lá fora e que você não pode mais ver.
- concordo com você. Tem de estar preparado para tudo Marcus, a saúde de sua vó estava muito frágil quando você entrou no reformatório. Por isso deve se preparar e blindar para qualquer notícia que receber. Mas e seu pai? O que pensa sobre ele?
- meu pai? Ah cara é complicado, ele nunca pareceu ligar muito pra mim então nunca tivemos uma relação. Nem sei se ele sabe que eu entrei naquele reformatório ou se eu estou na cama de um hospital agora. O grande motivo de eu, minha mãe e vó termos saído do Recife foi por ele. Ele tratava muito mal a minha mãe e bebia muito. Nunca chegou a encostar nela mas já a desacatou e a traiu também. Eu odeio isso que ele fez. Confesso que quando eu era mais jovem eu o negava como pai. Mas agora eu não sinto mais nada, nem amor nem ódio.
- então você não o ama né? Gostaria de um dia ter contato com ele?
- sim eu acho que gostaria sim. Acho que por ele ser meu pai ele merece uma chance, mas o problema é que eu não sei se daria isso a ele. Eu não sou mais um cara bonzinho. Creio que você saiba disso já.
- claro que sei Marcus, eu vejo tudo. Sei de tudo o que tem feito. Seus amigos, o que eles são para você?
- cara é difícil. Eu tenho só dois mas são os melhores companheiros que já tive. Quer dizer, eu tenho o Fernando agora mas me referindo ao David e ao Abner. O JP era um grande amigo meu mesmo só o conhecendo a um dia. Eu sinto que se ele estivesse vivo hoje seríamos muito amigos mesmo. Mas enfim a energia dele nunca morrerá. David e abner são dois caras bem diferentes. O Abner é um cara de periferia. Veio do mesmo bairro que eu vivi minha infância, tem vivência de muita coisa da favela e desse meio mas ainda sim é um cara de bom coração e tem idéias muito boas. Já o David é um cara de bairro Nobre, que eu conheci numa escola pública olha que coisa, ele sempre gostou de coisas mais simples e eu sempre de luxo e dinheiro. Nossa realidade é muito diferente mas ainda sim a gente é bem parecido. Nossas mães também são bem próximas e bem, ele é o tipo de cara que como amigo é ótimo. Apesar de ter muito dinheiro e ter uma vida com condições bem melhores que a minha e a do Abner por exemplo, ele nunca foi orgulhoso ou humilhou ninguém usando seu dinheiro como argumento. Até nas brigas de escola ele nunca xingava se gabando do que tinha e isso sempre me surpreendeu sabe. Enfim os dois, são incríveis. E o Fernando, eu acho ele um cara muito do bem também, ele teve que entrar no mundo do crime pra se proteger mas só se ferrou por isso. Eu realmente gostaria de o ajudar quando puder... Olha cara, porque você me perguntou todas essas coisas?
- queria ouvir o que você iria dizer sobre essas pessoas, afinal elas convivem tanto com você. bem, nesses últimos anos você decidiu entrar no mundo da música não foi? Acha que vai conseguir?
- cara eu queria muito, eu até que mando bem e seria a vida que eu sempre quis. Eu realmente boto fé nisso.
- ótimo. Se foque ao máximo nisso, dê tudo de si nesse rumo. Marcus, essas pessoas todas tem laços muito fortes com você, e acima de tudo elas acreditam em você. Viva por você, e seja aquilo que sempre quis ser. Seja quem você quiser ser Marcus dope! Invista nesse futuro se acredita nisso. Você consegue vai por mim. Eu queria que você refletisse sobre todas essas pessoas, e consequentemente, sobre tudo o que você já passou até estar aqui. Eu acho que consegui o que queria. Espero ter te ajudado a iluminar os pensamentos e esfriar a cabeça.
- cara, essa conversa foi ótima. Eu me lembrei de muita coisa e refleti sobre coisas que nem me lembrava mais que tinha passado. Muito obrigado mesmo!
- não precisa me agradecer. Agora Marcus, você já pode voltar. Estou ciente de que você tem certeza do que quer ser, afinal você andou pensando muito nisso nesses últimos tempos. Você está pronto para voltar ao mundo Marcus... Então vá, pode abrir os olhos!
E então num ato automático, o ser sumiu e Marcus... Marcus abriu os olhos!

Até breve...

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