Capítulo 18

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QUERIDO AMOR QUE 

NECESITABA IRSE 

Portugal, 2035

Mário Alencar estava em pé, encarando vários papéis sobre a mesa. Uma parte de si queria simplesmente rasgar e queimar aquelas cartas, no entanto, outra parte daria outros vinte anos da sua vida para ler o conteúdo delas, mas como saber ao certo qual lado seu deveria ser escutado?

O renomado médico que superou a pobreza e venceu suas barreiras parecia ter se tornado um menino acuado em poucos segundos, do tipo que sentia seus joelhos fraquejarem. Arfando como uma criança que correu demais, ele dobrou seu corpo, apoiando as mãos sobre as coxas.

― São só cartas... ― murmurou, tentando puxar um pouco de ar.

Em passos cautelosos, se aproximou da pilha de lembranças de Julieta. Pegou uma delas, sem se importar de olhar data ou qualquer outra coisa.

Abrindo sem muito cuidado, ele puxou o papel que, aliás, estava conservado demais para algo que esperou vinte anos para aparecer na sua porta dentro de uma caixa de madeira, com um bilhete escrito em letras cursivas que não eram as de Julieta:

"Ela queria que você ficasse com isso."

Todos queriam algo na vida, afinal. Ele, bem, queria esganar Vinicius por ter passado seu endereço para Clara, mas queria, principalmente, se sufocar por não conseguir conter o desejo de saber o que sua ex pensara e sentira com sua partida.

Se o amava ainda naquela época, se o amou durantes os anos que ficaram separados. Se... do que adiantava todas as respostas se Julieta estava morta? Se ela havia morrido havia malditos dez anos! Começou a ler a primeira carta:

Querido amor que necesitaba irse..., para lo íntimo, Mário,

hoje fazem exatos dois meses que você foi embora, e eu acho que estou conseguindo lidar bem com tudo isso.

Certo, eu ainda não fiquei com ninguém, mas verdade seja dita, é difícil fazer isso sabendo que, Deus!, eu vou sentir seu cheiro, é o seu beijo que sentirei, sabemos. Não há como negar: eu ainda te amo.

Será que um dia vou te esquecer? Ou ficarei fadada a escrever cartas para um amor que não ficou? Será esse meu destino? Viver com a sua perda? Sentir seu cheiro no ar e saber que não está, ver seu rosto em rostos desconhecidos, alucinar que vai entrar pela porta e me beijar? Merda! Você não está morto, mas então por qual razão aparece na minha frente como um fantasma que eu não posso espantar?

Eu vou te esquecer, Mário. Nem que para isso precise escrever mil cartas dizendo o quanto eu te odeio, o quanto eu odeio saber que está longe de mim, o quanto odeio a distância que há entre nós, o quanto eu odeio não poder perguntar ao Vinicius sobre você, sobre com o anda a sua faculdade, se está bem, se conheceu alguém. É martirizante saber que ele sabe de você e eu não. Eu sei que tomamos a melhor decisão.

Você não podia me esperar por sei lá quantos anos, nem eu podia te esperar por um número indefinido, porém, alto de anos. Ou poderíamos? Será que poderíamos ter tentado sem falhar? Eu acredito que não, mas me sinto péssima por dizer: adoraria ter errado se isso incluísse poder ter a oportunidade de te beijar uma vez mais, daqui há quatro ou seis anos.

Eu espero que você esteja bem, afinal, mesmo te odiando, eu ainda sigo te amando.

Daquela que um dia vai te esquecer (espero),

Julieta."

Havia 20 anos de distância ali, na sua frente, mas o Mário de 38 anos, o homem que a amou durante muito tempo depois de sair do Brasil, em parte sem notícias dela e outra com a certeza de que nunca mais veria seu sorriso, não estava preparo para tudo aquilo.

Mário juntou todas as cartas e as guardou em uma gaveta. O amor não podia ser guardado ali, mas a verdade era que ele estava em seu peito, e sempre estaria.

― Amor, está tudo bem? ― Uma mulher adentrou a sala pelo corredor que dava acesso aos quartos.

Sua mulher. Era tarde da noite, e ele estava na sua casa, vendo cartas de um amor da adolescência que apareceram na sua porta pela manhã. Tinha como ficar pior?

― Tudo, Lili. Eu já vou deitar. Só estava... lembrando do passado.

Liliane assentiu, virando as costas para voltar para o quarto, mas pareceu lembrar de algo e olhou para ele.

― Passe a chave na gaveta, amor. Se deixar destrancada, a Luninha pode abrir e rasgar as cartas.

― Como você...?

― Então são cartas dela mesmo? — indagou, franzindo a testa. O marido assentiu. — O porteiro do nosso antigo endereço me ligou de manhã cedo pra dizer que havia chegado algo para você. Ele perguntou o que deveria fazer e eu disse que mandaria alguém pegar. O estagiário buscou e trouxe para cá. O coitado deveria estar tão atarefado que deixou na porta.

― Isso não explica como sabe das cartas, Liliane. Você as leu? ― Não estava bravo, mas parecia errado que sua mulher visse tudo aquilo.

― Não, eu nunca invadiria sua privacidade dessa forma, Mário. Pelo endereço do Brasil, imaginei que fosse do Vinicius, mas quando perguntei ao Vini de manhã se ele havia mandado algo, ele disse que não. Então havia poucas opções de quem mandaria algo pelo correio para você. Eu apenas olhei quem enviou, e todas eram da Julieta. Eu sei que ela foi importante para você, amor, e eu não pretendo me colocar em uma posição de vilã. ― Sua mulher sorriu, aproximando-se dele. Beijando seu rosto com carinho, ela o abraçou envolvendo seus braços na cintura do marido. ― Tomei a liberdade de pedir que Lulu comprasse uma caixa de madeira, estava em um envolve grande, mas uma caixa parece mais... pessoal. Eu sei que esse é um assunto delicado, amor, mas saiba que estarei disposta a te ouvir. Não posso sentir ciúmes de uma pessoa que sequer está aqui, Mário. Eu não sei quem ela foi para você exatamente, mas se te fez feliz um terço do que você me faz, eu admiro essa mulher. Estarei esperando na cama, amor. ― Beijou seus lábios docemente e saiu, deixando para trás um homem surpreso.

Mário sorriu tristemente para a gaveta, decidindo que um dia encararia aquilo de frente. Um dia futuro.

As agridoces lembranças de Julieta (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora