Capítulo 5

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PRIMEIROS AMORES PODEM PASSAR,

MELHORES AMIGOS, NÃO

Novembro, 2008

Depois da bicicleta, outras cicatrizes foram chegando. A segunda, porém, não foi direcionada a sua pele, e sim ao seu coração.

No final de 2007, quando Julie tinha doze anos, um caminhão de mudança apontou na rua de cima e parou na frente de uma casa azul.

A menina estava indo para missa acompanhada dos pais quando viu homens retirando os móveis do automóvel e uma mulher e uma criança ajudando como podiam.

O menino olhou para trás por um segundo, como se procurasse algo, até que achou uma caixa pequena no chão. Ele sorriu e a pegou, entrando na casa logo depois.

Aquele foi o tempo suficiente para Julie ver o quanto o sorriso do garoto era mágico. Luciana a chamou e avisou para tomar cuidado, senão, distraída como estava andando, poderia cair.

Foi apenas no outro dia, em uma segunda-feira comum, que Julie descobriu quem era o novo morador do bairro. A mãe dele estava na escola, e não demorou para que o diretor aparecesse com o garoto na sala de aula de Julieta.

O vizinho de cabelo curto e bem cacheado, além de um sorriso lindo, tinha manchinhas encantadoras espalhadas pelo rosto.

Elas eram como pequenos pontos do céu estampando a pele branca, se prestasse bastante atenção, talvez a garota conseguiria achar alguma constelação ali.

O rapaz lembrava-lhe muito as descrições dos personagens perfeitos dos livros que ela tanto amava. Se tudo ocorresse como nas histórias, Julie viveria o seu conto de fadas em breve. O problema era que contos de fadas só aconteciam em livros.

Seu primeiro amor sentava na segunda cadeira, perto da porta, e sempre parecia estar com falta de ar. Julie descobriu mais tarde que ele tinha asma, porém, evitava ao máximo usar sua bombinha em público.

Seu nome era Breno Rodrigues, e ele tinha morado a vida inteira — um total de doze anos e oito meses — na capital paulista. Ele contava as melhores histórias sobre a Selva de Pedra, sempre acrescentando no final que sua mãe havia decidido voltar às raízes por princípios: um pai doente que precisava de cuidados da filha única.

Julie lamentava o motivo que trouxera o garoto para perto dela, mas não mentiria: agradecia aos céus que ele estivesse ali.

Tanto que jurou, abraçada a um dos seus livros mais românticos, que aquele seria o seu primeiro namoradinho. E já havia se passado mais de um ano desde a chegada de Breno, mas a garota não tinha conseguido dizer que gostava dele.

Não era fácil como as mocinhas de livro faziam parecer. Elas sempre achavam a hora certa e a forma certa de contar.

Claro, Julie sabia que a maioria dos autores demoravam dias e, até mesmo, anos para construir as cenas perfeitas, prepararem as falas mais espetaculares possíveis e tudo mais que um autor fissurado pelos seus personagens pudesse querer fazer.

Enquanto isso, ela só tinha uma mente criativa e um coração apaixonado, nos livros, poderia ser muito, na vida real, significava que era a amiga engraçada e romântica.

— A gente vai lá pra casa hoje, né? — perguntou ao amigo. Estavam no pátio da escola, esperando dar o horário exato de entrar na sala de aula. Breno gostava de ficar o maior período possível ao ar livre. — Precisamos terminar o trabalho da professora Heloísa.

— Hoje eu não posso. Tenho algo importante planejado.

Ele iria pedir a menina que gostava em namoro. Não tinha contado ainda sobre ela ou o pedido para a amiga porque não queria correr o risco de não ser correspondido e receber olhares de pena, não precisava de mais compaixão.

As agridoces lembranças de Julieta (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora