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Kirishima era cuidadoso e metódico no quesito agradar seus clientes e era por saber disso melhor que muita gente que Katsuki não se impressionou tanto ao entrar no banheiro e encontrar banheira cheia e a calmaria do único espaço onde a música externa não era capaz de invadir. O silêncio "gritante" era um conforto a mais, uma cortesia que não lembrava se fazia ou não parte do pacote.

Só não dizia conhecer completamente os truques do rapaz porque se deparar com o espelho coberto por um dos panos que ele usava para pendurar-se em seus shows de tecido circense no clube onde se conheceram lhe pegou de surpresa. A ocultação o impediu de ver o próprio sorriso nervoso de quem se perguntou se estava tão na cara que não queria ter de encarar a si mesmo, fosse como metáfora, fosse em forma de reflexo. Era como ter um piloto pronto para lhe dar fuga desse encontro mão desejado com suas próprias frustrações.

Já tinha reparado que faltava na sala o espelho que o supersticioso Eijirou usava sob a desculpa de que tudo o que os visitantes trouxessem consigo, fosse bom ou ruim, voltaria para eles ao se refletirem. Foi até delicado que durante sua arrumação diária ele se tocasse que tudo o que Bakugou não precisava era que toda a negatividade que andava carregando lhe retornasse mais forte.

Não disse nada, mas acenou agradecido dando um último trago no charuto que pôs no cinzeiro já bem posicionado sob a pia para a dispensa do fumo. Calado, o acompanhante saiu sem ser visto, deixando-o à sós com sua pesada carga moral. É que Kirishima sabia que de pena e dó, bastava o que o próprio Katsuki sentia por si.

Sua ausência foi notada quando o moço tirou a camisa, revelando, nos braços, as tatuagens tribais já fora de moda e, nas costas, as cicatrizes que remetiam aos tiros que levou em um ataque poucos meses antes. Se seus concorrentes soubessem que era quem se detestava, não perderiam tempo querendo mostrar o ódio que nutriam por sua figura ou até lhe chamariam para a próxima empreitada.

Ah, se passasse pela cabeça deles que a força de sua imagem como rei das ruas não passava de ilusão e que bastava um leve empurrão para que caísse, tombasse, derrocado no próprio sangue sujo como suas mãos mergulhadas na pólvora residual por ter, antes de visitar Eijirou, se envolvido em mais um assassinato...

Se sentia tão descartável quanto o arquivo morto à queima-roupa, a diferença é que teria um nome deixado na história do crime e não seria mais um X9 qualquer jogado em qualquer canto. Se bem que a durabilidade de sua memória também era mais uma mentira no mar que mergulhou, como fez na banheira aquecida e confortável.

Diferente do banho, a correnteza do oceano de falsidade que o cercava era forte e o puxava para baixo. Sufocado, já não sabia se daria-se ao inútil esforço de nadar.

Garoto de Aluguel | KiriBakuOnde histórias criam vida. Descubra agora