XIV

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Era uma noite de chuva e a voz de Jirou ecoava para fora.

Guarda-chuvas na mão enluvada de Kaminari, hoje servindo de métre como se um smoking alugado velho, bufento e cheiroso à naftalina lhe desse a classe necessária para trajar algo assim. Novidade caminhando com o costumeiro ignorar de suas saudações. Nada de bom até então para ser celebrado em cordialidades vãs, mas iria melhorar. Pensamento desligado de fé, recheado de certeza.

O que Kirishima não melhorava com sua dedicação impecável responsável pelas lonas improvisadas por seu beco para que pudesse dispensar o auxílio sem se molhar de frio? Ainda que tempestade alguma se comparasse à sua tormenta pessoal, apreciou a cortesia como ela merecia. Por que Denki e a administração do bar não receberam o mesmo? Ora, que prepotência se acharem iguais à Eijirou! Que não se repetisse mais.

Respiro trancado. O ar dentro daquele cubículo, por mais irônico que parecesse, gozava maior pureza e preferiu fechar a porta para então testar a força de seus pulmões. Pelo nariz entrou, pela boca saiu junto ao salivar pelo bom charuto do qual sentiu o cheiro. Seu garoto à porta pronto para lhe servir, como sempre, entregou o fumo em troca do paletó.

Recolheu também a gravata e lhe deu chinelos macios para descansar os pés dos sapatos de couro que jazeram sobre os panos de chão para que o chão não se manchasse com alguma gota residual de sangue e a cor vinho disfarçasse essa vergonha. Bakugou não queria lembrar de seus crimes e obrigações nos próximos 59 minutos, certo? Fez muito bem.

Lhe ofertaria um roupão confortável e quente como a bebida de chocolate amargo assim que a banheira cheia fosse usada. Gostaria de um banho, não? Mais uma vez aquele filho da puta cuidadoso acertava todas e, nesse dia, Katsuki fervia tanto que isso o irritou. Ora, não era óbvio que em meio à friagem tudo o que o esquentasse seria bem vindo? Será que além de todos os serviços do pacote, previsões futuristas e leitura mental serviam como brinde? Que fosse!

Roupa usada pronta para a limpeza rápida na lava-e-seca. Na volta, massagens nos tensos ombros desnudos e a alegria de não encontrá-lo submerso na água. Uma pena não ser capaz de salvá-lo enquanto soterrado por suas culpas e pressões.

Sem que uma palavra escapasse de seus lábios bonitos, contemplou os suspiros lentos de quem desejava a morte e hoje não era sobre como sua mãe cobrou aos berros explicações sobre o que lhe fez apagar o sujeito das outras noites sem mais nem menos. Era sobre manter confidencia não por vergonha de fazê-lo por Kirishima e sim por protegê-lo.

Por que? Vez ou outra, cedeu à vontade de observá-lo por sobre o ombro para ver mais de seu sorriso. Independente do que queimava em seu coração, não podia continuar ardendo por mais que o impulso gritasse querer.

Talvez em outro contexto.

Talvez em outra vida. Uma em que qualquer sentimento além do ódio devia – e seria –, sufocado. Uma em que sujar as mãos por ele não acarretasse em sujar as mãos dele, muito menos sujar suas mãos com ele.

Garoto de Aluguel | KiriBakuOnde histórias criam vida. Descubra agora