Vegas [Beauany]

14

Eu estou atrasada para o trabalho. Correndo como uma louca para me arrumar. Entro apressada no banheiro, salto para dentro do chuveiro. Esfrego bem o rosto para me livrar dos restos de maquiagem da noite anterior. Uma coisa nojenta e incrustada.

Seria uma bela lição se eu ficasse com uma espinha dos infernos. A noite anterior fora toda um sonho bizarro. Mas esta é a vida como ela é. Trabalho, estudo, amizade. Meus planos para o futuro. Essas são as coisas importantes. E se eu continuar a repetir essas coisas para mim mesma, tudo ficaria bem algum dia. Ruby não se importa muito com o que vestíamos além da camiseta do uniforme do café. Suas raízes são  bem alternativas. Ela planejou ser uma poetisa, mas acabou herdando o café de uma tia no bairro Pearl.

O desenvolvimento urbano valorizara os preços imobiliários, e Ruby se tornou uma mulher de negócios muito bem-sucedida. Agora ela expunha suas poesias nas paredes do café. Acho que eu não conseguiria encontrar uma chefe melhor. Mas um atraso é sempre um atraso. Nada bom.

Fiquei acordada me preocupando sobre o ocorrido com Josh naquele beco. Revivi o momento em que ele disse que ainda nos considerava casados. Dormir teria sido muito mais benéfico. Uma pena que meu cérebro não tem um botão de desligar. Visto uma saia lápis preta, a camiseta do uniforme do café e um par de sapatilhas. Pronta. Nada ajudaria a disfarçar as olheiras. Mas as pessoas já estão acostumadas a vê-las em mim nos últimos tempos.
Porém, foi preciso quase metade do tubo de corretivo para esconder o chupão no meu pescoço. Saio apressada do banheiro envolta em uma nuvem de vapor, bem a tempo de ver Hina flanar para fora da cozinha, com um sorriso amplo no rosto.

— Está atrasada para o trabalho.

— Estou mesmo.

Passo a alça da bolsa pelo pescoço, apanho as chaves da mesa e bato em retirada. Não há tempo para aquilo. Não naquela hora. Nem nunca, bem possivelmente. Eu não consigo imaginar um bom motivo para ela se bandear para o lado de Josh.

Durante o último mês, ela passara muitas noites ao meu lado, deixando-me falar sobre ele até ficar rouca, quando eu precisava. Porque, em algum momento, as coisas tinham que vir à tona. Todos os dias eu lhe dizia que não a merecia, e ela me dava um beijo no rosto. Por que me trair agora? Tomo as escadas com vigor extra.

— Any, espere. – Hina corre atrás de mim quando chego aos degraus da frente.

Viro-me na direção dela, com as chaves na mão tal qual uma arma.

— Você contou para ele onde eu estava.

— O que eu deveria ter feito? – Ah, não sei. Não contar? Você sabia que eu não queria vê-lo — a observo atentamente, vendo todo tipo de coisa que não desejava ver.

— Cabelo arrumado e maquiagem a esta hora? Estou vendo direito, Hina? Estava esperando encontrá-lo aqui, talvez?

Seu queixo abaixa quando ela tem o bom senso de parecer envergonhada.

— Desculpe. Você tem razão, eu acabei me empolgando. Mas ele está aqui para fazer as pazes. Pensei que você talvez quisesse pelo menos ouvir o que ele tem a dizer.

Balanço a cabeça, a raiva borbulhando dentro de mim.

— Essa não era uma decisão sua.

— Você está arrasada. O que eu deveria ter feito? — ela ergue os braços para o céu — Ele disse que veio para cá para consertar as coisas entre vocês. Acredito nele.

— Claro que acredita. Ele é Josh Beauchamp, seu ídolo adolescente.

— Não. Se ele não estivesse aqui para beijar seus pés, eu o teria matado. Não importa quem ele é, ele a magoou — ela parece sincera, a boca comprimida e os olhos imensos — Desculpe eu ter me arrumado demais agora. Isso não vai voltar a acontecer.