Capítulo IV

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Sexta-feira, 05 de setembro de 2014

Noite, 18h03

Harley Cleanwater estava sentada de frente para o bar do The Royal William Pub & Dining, passando o indicador sobre a borda de uma dose de Grey Goose que conseguira encontrar naquele lugar, quando Eldric chegou. A bebida não estava tão gelada, mas nas atuais condições ela não poderia reclamar, com os ombros curvados e o vestido azul grudado em seu corpo, respirando profundamente ao senti-lo sentando-se sobre uma das banquetas ao seu lado.

— Qual a parte do "eu não estou seguindo você" isso faz parte?

Eldric deu um risinho e apenas depois percebeu que havia pigarreado antes, nervoso enquanto batia a ponta dos dedos contra a superfície de madeira do balcão, as luzes amareladas esquentando o rosto, o piso de ardósia perfeitamente intocado mesmo com a reforma que fizeram, as paredes de pedra de Cotswolds ainda eram as mesmas desde 1950 e o serviço permaneceu com sua excelência desde o início.

— Sinto que... — Ele sorriu para ela e Harley ergueu uma sobrancelha, desconfiada evidentemente. — ...lhe devo um pedido de desculpas.

Ela considerou suas palavras com um dar de ombros, bebendo o restante de sua dose de uma vez, sentindo o calor subindo pelo corpo enquanto os músculos relaxavam.

— Veio aqui para me contar o que sabe?

— Quem dera. — O rosto dele ficou vermelho e ele coçou a nuca. — Na verdade, não sabemos de nada, Harley.

— A imprensa deve adorar saber disso — provocou ela, girando a banqueta na direção dele, as pernas dobradas enquanto a ponta dos saltos esfregava levemente o canto da canela dele.

— O que quero dizer, Harley, é que não confio no delegado Lenny... — Os grandes olhos azuis pareceram buscar alguma reação dela, mas a detetive era indecifrável e nem mesmo seus lábios tão avermelhados pareciam dispostos a lhe dar uma dica. — Mas...sinto que posso confiar em você.

E ela deixou escapar uma risada de verdade, que ecoou pelo salão quente, com suas lareiras desligadas, mas abarrotadas de lenha, próximas às mesas onde pequenos casais jantavam. Harley sentia-se como uma bactéria ali, a única que não estava acompanhada. Bom, ao menos não por alguém que ela quisesse.

— Decisão horrorosa, Sr. Heartland — respondeu com um leve considerar em seu olhar enquanto brincava com o copo cristalino. — Confiar em uma estranha...

— Que me disse a verdade.

Ela deteve-se por um instante, deixando o copo de lado, os cílios se agitando enquanto apoiava o rosto em sua mão direita, o cotovelo sobre o balcão enquanto o atendente limpava algumas garrafas.

— O que quer dizer?

Eldric deu de ombros, como se tentasse mostrar que não ligasse para nada.

— Ao menos não foi hipócrita, disse a que veio e... — ele a fitou diretamente nos olhos. — ...foi honesta.

Ela exibiu um sorriso com o canto dos líbios, analisando o modo como o maxilar dele se mexia, com pequenas fisgadas de nervosismo de quem mordiscava a bochecha.

— E há motivos para acreditar que quem você conheça não está sendo verdadeiro?

E o homem semicerrou o olhar, certo de que ela era perspicaz, vendo o modo como seus olhos brilhavam ao fazer perguntas que ela certamente sabia que eram incisivas e que o jogariam contra a parede.

— Se eu disser, você me conta algo que já saiba?

Harley disse que sim e acrescentou:

— Mas não espere grandiosidades, sei tão pouco quanto vocês, já que cheguei aqui há um dia.

Passado Perverso (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora