Capítulo XIV

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Painswick

Um dia antes

Quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Noite, 19h00

O cheiro na cozinha de Elena Hargroove era delicioso, uma mistura de manteiga, pimenta e salsinha, todos colocados em uma frigideira quentíssima, onde ela já preparava tiras de filé de frango, distraindo-se com a receita que encontrou em um blog para mães atarefadas.

Sim, a mente dela precisava se distrair.

Quando Lenny Lover bateu em sua porta, a parte dela, que já estava morta, se apossou do corpo inteiro, e quando o homem disse que o detetive Heartland havia lhe mandado uma mensagem confirmando que Ursel havia sido encontrado morto em Millpool, ela não desabou.

Não chorou.

Não quebrou pratos na parede.

Na verdade, ela o convidou para um café com o sorriso, os olhos sem piscar e os cabelos presos no alto da cabeça, porém Lenny negou, ressaltando que, agora que o corpo foi encontrado, era crucial que ele redobrasse seu trabalho para descobrir quem foi o responsável por aquilo.

Acontece que Elena Hargroove já sabia quem havia sido, e a resposta escapou por seus lábios de maneira tão seca que seus poros pareceram afundar na pele:

— Foi Deus. — Ouvir aquilo fez os olhos de Lenny se arregalarem, as sobrancelhas arqueadas em espanto e medo, pois, ainda que as feições de Elena estivessem aparentemente normais, por debaixo sua pele já parecia verdadeiramente morta, pútrida, os olhos sem brilho, as palavras sem floreios.

Elena poderia não estar quebrantada em lágrimas naquela hora, mas sua alma lançava-se em uma escuridão da qual ela nunca mais conseguiria sair.

— Descanse, Elena, ligue para sua mãe, fique com seu marido — aconselhou o delegado tocando-lhe a lateral do braço conforme ela grudava ao batente da porta com toda a força. — A família será seu maior refúgio, agora.

A mulher sentiu seu carinho e, de fato, havia preocupação na voz dele, porque Lenny Lover, por mais que fosse um filho da puta escroto aos olhos de Harley, era um homem que se preocupava com o modo com que as pessoas de sua cidade reagiam diante de crimes tão hediondos.

— Se a família é meu maior refúgio, delegado... — Elena engoliu em seco, os olhos vidrados nas feições gorduchas do homem à sua frente, estudando-o como se ele fosse uma figura sacra na qual ela poderia descontar sua descrença. — ... então por que o Senhor continua a tirá-la de mim?

Mas Lenny não tinha uma resposta para aquilo e a Sra. Hargroove, muito menos. Por fim, ela fechou a porta de sua casa e caminhou lentamente para o andar de cima conforme ouvia a viatura do delegado distanciando-se.

Sim, sim, ela sabia que era melhor que ele estivesse longe, agora que ela planejava seu próprio jeito de encontrar-se com o Senhor.

Os remédios ao lado de sua cama foram atrativos demais, como contas brilhantes que ela ostentaria no pescoço. Apanhou o vidro deles, abriu-o, sentiu seu cheiro inexistente, o que lhe agradou, de fato, pois saber que sua morte não tem um aroma parecia torná-la mais amena e, por fim, virou-o na boca de uma vez, apanhando o copo de água que havia sobre a cabeceira e sentindo o amontoado branco descendo por seu corpo, arranhando-o.

E conforme direcionava-se para o quarto de Leonard, ela só conseguia agradecer por ser quinta-feira. O garoto não iria para a igreja naquele dia, o que era bom.

Passado Perverso (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora