Capítulo VII

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Segunda-feira, 08 de setembro de 2014

Madrugada, 00h58

Antes da uma da manhã, Harley já estava na frente da imponente casa dos Hargroove, uma construção larga de rochas polidas, amareladas, que se tornaram cinzentas ao cair da noite, a qual tinha nuvens granuladas que anunciavam uma nova chuva, que seria de bom uso ao jardim da propriedade, enorme, com sebes naturais misturadas a flores que Harley, nem que fosse de dia, saberia dizer a espécie, seu conhecimento de botânica razoavelmente escasso compensado pelo ódio que tinha a anões de jardim, aqueles que ela podia ver ali, encarando-a distantes, mas ainda encarando, úmidos pelo orvalho do ar impregnado nas janelas largas que permitiriam uma visão completa do interior do enorme sobrado se não estivessem cobertas por cortinas leitosas, que exibiam um tom frio da luz ali de dentro.

— Bom-dia? — A voz de Eldric soou como um martelo na cabeça da detetive, ainda sonolenta. — Acho que não fica bonito boa-madrugada.

— Que tal: foda-se? — Harley uniu os lábios em um sorriso e estreitou os olhos. — O que aconteceu?

Ele expirou, os ombros relaxando com a grosseria típica da mulher conforme fechava a porta. Eldric não conseguiu deixar de notar — não pela primeira vez — como aquilo a deixava bem mais gostosa e atraente aos seus olhos, formigando sua virilha e fazendo o sangue correr para áreas mais baixas, de tal forma que o homem achou melhor antecipar-se a falar, distraindo a mente do andar rebolado de Harley.

— Elena teve uma crise, esta noite.

— Crise? — Harley franziu o cenho. — Que tipo de crise?

— Do tipo que assusta os vizinhos a ponto de eles ligarem para a polícia.

Harley agitou seus cílios diante da claridade apática do lugar, tão branco que pareceria uma ala de hospital se não fosse pelo enorme sofá marrom disposto no meio da sala de estar, interligada à cozinha por uma porta larga o bastante para duas pessoas passarem lado a lado. A figura de Elena estava trêmula, histérica e apoiada sobre os cotovelos na mesa de jantar, no lado esquerdo da sala, o vidro servindo de coletor das lágrimas geladas que cortavam suas bochechas vermelhas.

Os olhos da detetive foram diretamente aos pulsos dela, procurando por sinais de cortes ou torniquetes improvisados, mas nada havia. Tirando o estresse evidente, Elena parecia normal.

— Ela começou a gritar? — perguntou Harley em um sussurro conforme detiveram-se ainda na entrada.

— Começou a quebrar os pratos na cozinha — explicou o homem apontando para a passagem larga.

— Ah, eu não acredito... — Elena ergueu o rosto na direção deles antes que Harley pudesse dizer qualquer coisa, a beleza exaurida, fazendo com que a detetive olhasse por sobre seu ombro antes de girar nos calcanhares e encarar o olhar frio da mulher. — Quem chamou ela aqui?

— Eu... — Harley fez menção de responder, porém Elena a interrompeu de imediato:

— Foi o Howard? — Os olhos dela estavam vermelhos. Vermelhos demais, veia saltando nas áreas brancas como vinho sobre carpete. — Não bastava aquele cretino já ter chamado pela polícia, agora por ela também? Nunca mais conseguirei olhar no rosto daquele homem...

Percebendo que Elena dialogava mais consigo mesma do que qualquer outra coisa, Harley tomou alguns segundos para si, irritadiça, o rosto sério e duro fitando Eldric.

— É nessa parte que você me explica como conseguiu meu número? — A voz dela escapou afiada, quase metálica, assim como a risada que se instalou por entre os lábios dele, que sorriram, os olhos brilhando contra os dela diante da rapidez de seus pensamentos.

Passado Perverso (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora