Capítulo XI

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*Atenção: este capítulo pode conter gatilhos. As cenas descritas a seguir podem causar horror e enjoo, portanto, caso sinta que precisa parar por um momento, pare e se recomponha antes de prosseguir.

*Espero que gostem. 

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Devonshire

Quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Tarde, 12h53

— Sinto-me na obrigação de dizer que isto não será bonito de se assistir.

A voz de Michael Fisher, o legista do hospital público, soou tão fria quanto a sala em que estavam, branca, de lajotas, com uma mesa metálica separando-os, com o corpo de Ursel Hargroove diante eles, metade da pele enrugada por ter estado submersa e a outra tão lisa quanto porcelana, logo ao lado de uma balança eletrônica.

O homem, por sua vez, estava mais preparado, trajando um avental de plástico descartável, assim como o que deram aos detetives, com um gorro branco segurando os cabelos e luvas de borracha amarela protegendo as mãos.

De fato, a carta de autorização de Lenny Lover veio a calhar, e o hospital, ciente da situação, não os questionou, apenas pediu para que assinassem algumas papeladas de registro que teriam de ser enviadas para a central do Condado e os guiou para o piso mais baixo da construção. O mais frio. O mais triste. O mais real.

Ali, diante eles, estava a realidade do ser humano: brutal, nojenta, asquerosa e cruel. Assassinar uma criança é um crime hediondo e uma afronta à sociedade, e ambos os detetives sentiam, por entre a ânsia dentro de si, a raiva, a fúria, a ira crescendo em uma escala infinita de horror.

— Acredite, Sr. Fisher, gostaríamos de ter outra escolha — respondeu Harley, já que Eldric parecia cada vez mais tenso ao seu lado, mordendo as juntas do punho direto, na altura dos lábios, apoiado sobre o outro braço.

De tempos em tempos, ela lhe direcionava alguns olhares, especialmente na recepção, pelo modo como sua abrupta e grosseira aproximação quase fez a recepcionista chamar pelos seguranças, assustada.

Foi Harley que teve que controlar toda a situação e seu corpo sentia o cansaço subindo pelos ossos como uma vinha sorrateira, almejando sua alma que, tolamente, achava que melhoraria ao entornar as próximas duas garrafas de vodca em sua boca; porém ela teve de deixar isso para mais tarde e, por mais que fosse perturbador e assombroso, teria de assistir a necrópsia de um garotinho.

Sua história remoía a detetive por dentro e ela sentiu os olhos marejados conforme o legista desamarrava as mãos de Ursel, tomando cuidado com as fibras chafurdadas de água do lago.

Teria sido assim com Dalton? Estranhos mexendo em seu corpo...

As sombras de seu passado assombravam-na tanto que a pergunta foi uma mera consequência que ela teria de saber lidar, já que Michael Fisher já segurava um bisturi em alto, de tal forma que Harley apenas maneou a cabeça de um lado para o outro e afastou as memórias.

Dessa vez, teria de enfrentar os horrores do presente, de tal forma que a pergunta se tornou uma constatação sobre o caso:

O assassino sabia que Ursel ia para aulas de natação.

— Bem, temos aqui um cadáver do sexo masculino, aproximadamente dez a doze anos...

— Doze — interpelou Harley rapidamente. — Este é Ursel Hargroove Adams.

Passado Perverso (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora