Capítulo XVII

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Painswick

Sábado, 13 de setembro de 2014

Manhã, 07h00

Quando saiu de casa na manhã de sábado, Lenny Lover soube que a vida na cidade de Painswick jamais seria a mesma, porque, agora, o assassinato das duas crianças nunca seria esquecido, com jornalistas chegando aos poucos, arrefecendo a comunidade, que estranhou tanta atenção tão súbita.

Ele teve de se apressar, o sobretudo protegendo-o da garoa fina que voltou a cair e que cessou assim que chegou na delegacia, achando ele que aquilo seria um bom presságio, mas a verdade era que, dentro do local, o maior medo de Lenny se materializou.

— S-Senhor Hawkins — gaguejou conforme retirava o sobretudo e livrava-se dos pequenos pingos gelados.

Um homem negro do tamanho e largura de um armário estava ali, o cabelo perfeitamente cortado, os olhos escuros como ardósias e a pele tão negra que beirava o azulado, destacando-se no terno cor de areia.

— Precisamos conversar, Lover. — Sua voz emanou seca, desidratando qualquer esperança que o delegado ainda nutria de que aquele dia seria bom.

...

Se para um homem baixinho como Lenny a sala já se tornava apertada, para Laurence Hawkins, então, ela deveria ser sufocante, a cadeira até mesmo rangendo quando ele se sentou, cruzando as longas pernas uma sobre a outra conforme entrelaçava os dedos sobre o corpo liso e assistia ao delegado se desesperando com o nervosismo de tê-lo ali.

Laurence Hawkins era um nível abaixo dos administradores do Condado, assumindo uma posição que poderia se chamar de "cão de guarda" da Inglaterra, um intermediário entre a Scoland Yard e as subdivisões das polícias locais.

Mas, para simplificar, Laurence Hawkins era um dos poucos homens que realmente infligiam medo em Lenny Lover.

— Não preciso ressaltar o quanto a situação está delicada neste momento, não é, delegado? — perguntou com um olhar incisivo.

— O senhor também ouviu o rádio, não foi?

— Nas palavras de Nathan Dills: "a polícia se recusa a fazer um trabalho para com a sociedade por medo de falhar, e prefere abafar assassinatos do que resolvê-los." — Seus lábios moviam-se em esforço e a pele parecia brilhar diante o sol que entrava na transversal, por trás do delegado. — A situação não está nem um pouco boa, Lover.

— Isso não é verdade.

— Acha que a situação é boa? — As sobrancelhas de Laurence se arquearam.

— Não, não, é claro que não... — admitiu maneando a cabeça de um lado para o outro, mordiscando a bochecha por dentro. — Quis dizer que é mentira o que esse tal de Nathan falou.

Laurence apertou o canto dos olhos e umedeceu os lábios carnudos antes de perguntar:

— É mesmo?

O coração de Lover saltou uma batida e o sangue correu frio, arrepios eriçando os pelos de seu corpo.

— P-Perdão?

— Veja bem, delegado, o senhor assumiu esta posição, pois era de confiança, já havia trabalhado com a Scotland Yard, e eles gostaram de seus serviços como investigador, então eu lhe pergunto: como um homem como o senhor deixou a situação fugir tanto do controle em uma cidade tão pequena?

Passado Perverso (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora