parte I

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O dia estava nublado como sempre, as nuvens escuras e abundantes coloriam o céu naquela manhã. Perdi a hora admirando, apenas me dei conta quando minha barriga roncou.
Quando cheguei a cozinha a primeira coisa que vi foi seu rosto, não achei que fosse estar em casa já cedo depois que saiu para uma viagem. Ele me olhou profundamente, sentia que seu olhar era de reprovação, como se todo tempo eu o decepcionasse. Reparei que a barba estava para fazer e suas olheiras eram de quem não dormia a dias. Meu primeiro instinto foi perguntar porque estava assim mas antes disso ouço sua voz com um tom levemente mais alto tentando mostrar superioridade.
    ⁃    Porque demorou tanto?
    ⁃    Desculpe senhor demorei pra arrumar minha cama.
    ⁃    Não cometa esse erro novamente ou já sabe.
É claro que eu já sabia o que aconteceria, os flashbacks começaram a rodear minha cabeça, de repente me vi presa novamente, as correntes em meus braços eram reais e o pavor dominava meu corpo, com sorte voltei a realidade sem ele perceber e me certifiquei de logo arrumar a mesa do café da manhã. Minha barriga fazia barulhos enquanto pensava em um waffle quentinha e talvez um café para acompanhar.
    ⁃    Menina, lembra daquela conversa que tivemos semana passada? - ele disse sem ao menos levantar a cabeça.
    ⁃    Claro
    ⁃    Parabéns, você tem um novo amiguinho, mantenha as regras e nada de mal vai acontecer a ele.
Meu corpo parou e se enrijeceu como pedra enquanto as palavras entravam pelos meus ouvidos. Quando conversamos semana passada não achei que fosse fazer algo desse tipo novamente, não como fez comigo. Achei que não se arriscaria, afinal ele teria muito a perder, o que me deixava com uma ponta de esperança. Pobre criança.
    ⁃    Não esqueça de levar comida pra ele
    ⁃    Sim senhor
Ele levantou com dificuldade por conta da pequena cozinha e saiu como faz todos os dias. Sempre me perguntei o que ele faz mas nunca tive a coragem de perguntar onde ele vai e nem o que faz ou deixa de fazer, ele apenas sai e volta no mesmo horário. Todas as nossas pequenas conversas em que eu tentava entrar no assunto ele mudava radicalmente. 
Novamente era apenas eu e as rachaduras da pia como companhia.
Lembrei do "amiguinho" e comecei a fazer algo para comer. Me perguntava se era um menino ou uma menina.
Se estiver com a mesma idade que vim para cá ainda é novo e deve estar com fome. Apenas fiz um sanduíche de frango desfiado e um grande copo de suco acompanhado de batatinhas chips e outro grande copo da água.
Assim que peguei a bandeja e fiquei de frente com as escadas do porão flashbacks novamente começam a me rodear. Fui sentindo o metal frio novamente em minha pele, o barulho que me fazia ranger os dentes. Felizmente os copos se chocaram me fazendo voltar a realidade, por sorte não derramei nada e então consigo criar forças para descer as escadas com cuidado.
Cada passo era seguido de um ranger ensurdecedor. Logo vi num canto úmido daquele lugar um menino. Estava completamente apagado, cheguei perto e coloquei a bandeja em sua frente. Fiquei o observando. Havia muito tempo desde que não via algum ser humano diferente. Talvez tudo agora pudesse mudar.
Seus cabelos caiam sobre o rosto e eram loiros com as pontas levemente roxas. Acabei rindo desse estilo, me lembrava de quando eu era menininha e gostava de rock, era meu sonho ter os cabelos de várias cores. Apostei comigo mesma que os olhos eram azuis. Era evidentemente bem alto e magro até mais do que o necessário. Pensei até mesmo em voltar e fazer mais alguma coisa para que ele pudesse comer mas continuei o observando e imaginando como sua vida era antes disso.

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