Parte 4

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Estou de volta à garagem; de volta ao meu trono. A claridade emitida pela vela balança em frenesi, resultando em um pisca-pisca virulento que faz sombras dançarem agitadamente para um lado e para o outro na minha frente.

— Você não se dá conta... — ressoam as vozes espectrais nos dois espelhos, que são o meu rosto virado para frente, movendo apenas a boca. — Mas eles apenas te abusam para manter as suas posições sociais — os dois rostos nos espelhos viram para mim. — Aquele que você um dia chamou de amigo sofreu bullying também. Percebeu que falavam mal dele pelas costas sempre quando era visto andando com você. Como todo jovem imaturo, escolheu o caminho mais fácil...

Urrrrrff! O vento do ventilador sopra com força máxima nas minhas costas. Sussurros começam a rodear meus ouvidos. Eu sigo paralisado no meu trono, sem mover a cabeça, nem os olhos, nem os músculos, enquanto sombras humanoides bailam por toda a minha volta, rindo de mim em multidões. Neste momento os meus olhos começam a arder em água, e uma lágrima corre sobre a minha bochecha direita, como um verme deslizando sobre uma parede.

— Aos acéfalos que veem diversão no seu sofrimento — ressoam as vozes nos espelhos. — Eles fazem parte desta natureza mórbida. Não estou dentro dos seus padrões, você diz... É aí que você mente...

De repente, na parede de escuridão que encaro, recebo uma visão onde eu estou caminhando na direção do quadro dentro da sala de aula, onde está a professora Marcinha me aguardando, porém alguém colocou a perna no meu caminho. O meu corpo tombou para frente. A explosão de gargalhadas ressoou intensamente ao meu redor.

Logo os alunos começaram a cochichar.

— Menino idiota...

— Que vergonha...

— Como é que alguém pode ser desse jeito?

Eu respirei fundo, com o nariz roçando no chão frio, em seguida apoiei as mãos no chão e comecei a levantar o corpo. Mas então um peso nas minhas costas me fez tombar de volta.

— Estão vendo? — riu um garoto com o pé em cima das minhas costas. — É tão gordo que nem se levantar consegue — era o Gilson Fernandes.

As risadas penetraram meus ouvidos e as lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto nesse mesmo instante. Meu nariz fungava. Meus lábios estremeciam para dentro e para fora da boca, e a minha garganta pulsava uma dor tão gelada quanto o chão. A professora não fez absolutamente nada. Apenas ficou observando, parada como uma estátua. Não pude ver se ela estava fazendo alguma expressão na face, mas vê-la parada ali foi o suficiente para saber de que ela não se importava com o meu estado de miséria e humilhação. Ela sabia de tudo... Nunca fez nada para ajudar... Nunca ninguém fez...

— Dentro de você um demônio cresce — falam os espelhos. — Tornar-se um monstro se tornou uma opção.

Uma nova visão aparece na escuridão, mostrando a mim mesmo carregando um revolver calibre 38, entrando na Sala 3, apontando para os alunos sentados e apertando o gatilho pow pow pow! Berros e gritos generalizados tomam conta da sala enquanto alunos saltam e correm desesperadamente, colidindo seus corpos uns com os outros enquanto os corpos acertados jazem no chão, cobertos de sangue, e entre eles está o de Renata, acertada com um tiro que penetrou bem no meio da testa. Ela está jazendo com as costas no chão, a boca aberta e os olhos verdes arregalados para o teto, totalmente paralisados, e bem ao seu lado está o corpo de Carlos Pereira Junior, com a bochecha no chão e os olhos igualmente arregalados, virados na direção de Renata.

O corpo de Gilson Fernandes está retorcido na sua cadeira, com o buraco do tiro no pescoço, e lá estou eu na entrada da sala, disparando o revolver com a mais intensa fúria estampada na face, dentes cerrados, olhos vermelhos e lágrimas molhando a cara.

Rituais - Brincando Com a Vida (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora