O bater dos meus sapatos marrons pelo piso do primeiro andar ressona altivamente pelo corredor. Minha idade avançada levou embora toda a força dos meus ossos. Sinto-me como vidro quebradiço, onde basta um impacto pequeno para que eu seja dividido em mil pedaços. Minha mente está cansada de ficar recordando os bons e maus momentos da juventude, ainda assim não paro de recordá-los. Guardo em mim o desejo de voltar para aqueles tempos, mas tudo se foi e não há como voltar. Para quê esperar a minha hora se posso já visitar o outro lado? Penso isso decidido em fazer o que vou fazer agora. Se Deus não quer enviar o seu anjo da morte para me buscar, então eu mesmo lhe pagarei uma visita.
À frente está a porta metálica do elevador refletindo distorcidamente a luz da lâmpada acesa mais próxima. Na minha mão esquerda está um pedaço de papel com a sequência de números que devo apertar respectivamente para realizar o ritual.
Pesquisei sobre a possibilidade de visitar outros mundos, e eis que algo me fixou a atenção durante longas horas. O ritual do elevador é de origem coreana, onde o elevador me levará a um mundo diferente, uma espécie de mundo invertido ou algo parecido. Tudo que precisa para poder acessá-lo é de um prédio que tenha, no mínimo, dez andares. Este prédio aqui possui exatos dez andares, e isso é todo o necessário para realizar o ritual. Não precisa de velas ou outros objetos religiosos, desenhar pentagramas com tinta vermelha no chão, sangrar o próprio braço, não, nada disso. Este ritual não se trata de uma invocação, e sim uma passagem para um mundo desconhecido.
O procedimento é mais simples do que pensei que seria: tudo que preciso fazer é entrar no elevador e apertar uma sequência de botões para me levar a diferentes andares. A única regra é não sair de dentro do elevador até completar a sequência e ter a certeza de que, quando a sequência for feita corretamente, eu esteja em um lugar completamente novo, ou, pelo menos, em um lugar semelhante a este prédio, porém com diferenças bem notáveis.
Vi também que, no meio dessa sequência, uma mulher jovem pode entrar no elevador comigo. Não posso interagir com ela em hipótese alguma, nem mesmo olhar nos seus olhos. Deverei fingir que estou sozinho. Não sei o que acontece se falar com ela, mas se disseram para não fazer nada, então, por precaução, o melhor será obedecer às regras do jogo. Trapaceiro que se paga de vencedor morre antes do perdedor.
Outro detalhe que eu não posso esquecer é que, se alguém entrar no elevador comigo enquanto eu estiver realizando a sequência, deverei reiniciar a sequência voltando para o primeiro andar assim que a pessoa sair.
A estas horas da madrugada, dificilmente alguém entrará comigo no elevador. De todo jeito, eu não estou com pressa para realizar o ritual. Pode alguém entrar e interromper a sequência quantas vezes for necessário, não vou julgar mais ninguém pelos meus problemas presentes. Meu tempo acabará em breve e o julgamento divino me espera para dar a sua sentença. Se o Paraíso e o Inferno existem? Não sei, mas acredito no Purgatório, e acredito mais ainda na justiça divina.
Paro diante da entrada do elevador, aperto o botão no painel prateado à direita da porta e o elevador abre, revelando uma luz amarela acesa no seu teto.
Respiro fundo pelo nariz.
— A espera pela morte é dura, Vicente — digo para mim mesmo, sorrindo bem pouco, com a voz rouca e cansada de um velho perto dos últimos suspiros. — Não há mais por que esperar ela chegar...
Dando passos lentos e arrastados, eu entro no elevador de paredes interiores metálicas e reluzentes que refletem o meu corpo nas três direções como um espelho embaçado. Vejo os meus cabelos grisalhos curtos e despenteados. Minha pele clara nesse embaço que está o meu reflexo não dá para notar as rugas, o que me faz ver como se estivesse um pouco mais jovem. Mas a quem estou a iludir? Esse tempo acabou e a minha mente o tempo todo se recusa a acreditar. Setenta e cinco anos, Vicente. Nada vai mudar isso. O mundo não precisa mais de você.
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Rituais - Brincando Com a Vida (Completo)
HorrorQuando a vida deixa de importar, torna-se um brinquedo que cai na mão de uma criança. É como segurar o próprio coração nas mãos e apertá-lo, sem saber que a sua vida reside dele. Brincar com a vida também significa afrontar os medos e lutar para sup...