Capítulo 1

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O tal do Eurotúnel durou mais tempo do que eu esperava. Tinha uma fila imensa cheia de turistas e gente pobre querendo ir para a França que durou umas 3 horas até vir a nossa vez. Enquanto isso, meu pai pesquisava museus em Paris, Stephano lia o registro anterior pela MILÉSIMA vez e eu ficava olhando as pessoas e pensando no que viria pela frente. Tipo, meu deus, eu era conhecida agora (apenas por advogados, historiadores e malucos paranormais, infelizmente) como a única jovem que sobreviveu das 665 crianças. Isso é um mérito enorme, mas... Não me sinto vencedora como deveria. Eu vi meu melhor amigo virar de “gentileza e classe” para “quero ver morte agora”. Não sabia como reagir aquilo, mas já passou, já passou. Simian/Ivan está morto agora e é isso que importa.

            Steph se virou para mim e me entregou o registro, sorrindo. Toda vez que ele sorri, me esqueço daquele dia em que os olhos verde-esmeralda dele declaravam morte contra aquele velho maluco das bonecas. Enfim, coloquei o registro na minha mochila e sorri de volta para ele.

            ─Está ansiosa? ─ele me perguntou. Acenei com a cabeça ─Que bom. O grupo está esperando por nós.

            ─Isso é... Bem legal. ─disse, mas não tinha muita emoção. Acho que é por que eu não dormia bem por três semanas seguidas, mesmo depois do incidente com a Bruhilde. Eu estava com olheiras enormes, meu cabelo preto estava muito longo e bagunçado e eu usei as mesmas roupas de duas semanas atrás. Uma verdadeira mendiga.

            ─Está tudo bem? ─seu sorriso desaparece, mas mesmo assim meu pai pagou nossas passagens e entramos no Eurotúnel. Assim que pisei lá, foi estranho, muita gente tirando fotos, falando alto, não me parecia natural.

            ─Eu só estou morrendo de sono. Não durmo bem por muitos dias. ─bocejei e me escorei nele, sentindo o suéter de gola olímpica vermelho dele na minha bochecha. Nunca pensei que um estranho que conseguiu me segurar antes que eu me quebrasse toda no chão se tornaria o meu melhor amigo. É estranho pensar que os pais dizem “cuidado com estranhos” quando alguns no fundo realmente se importam com você.

            ─Pode dormir, são umas duas horas de viajem.

            ─Posso?

            ─Claro.

            Automaticamente fechei meus olhos e caí no sono, todo o resto do povo continuando a falar, tirar fotos, tudo mais. Eu comecei a sentir a mão dele no meu cabelo, tentando passar os dedos entre os fios da minha bagunça de cabelo. Dava para ouvir o meu pai reclamando alguma coisa com ele, mas nem prestei atenção, estava cansada demais para ouvir qualquer coisa.

            ─Acorda, acorda. ─ouvi meu pai me chamar─ Já chegamos.

            Abri meus olhos e vi um monte de gente com câmeras correndo para tirar fotos, algumas correndo para pegar um ônibus, mas no final, só sobraram eu, meu pai, Stephano e um baixinho de óculos que estava olhando fixamente para nós. Ele era muito pálido, usava óculos retangulares e tinha um cabelo castanho claro liso e curto, mas parecia muito mais velho do que a sua altura. Steph olhou para ele e sorriu, fazendo um gesto com a cabeça para que ele venha se juntar à nós. Ele veio num passo meio apressado e sorriu calorosamente, ajeitando os óculos.

            ─Muito prazer, sou Clarence. ─ele disse─ Vice-presidente do Incognita-espirita. É um prazer enorme conhecer você, Valquíria! Ouvimos falar muito bem de você!

            Eu apenas sorri e cumprimentei ele. Não tinha como dizer meu nome e nem quem era, ele já sabia de tudo! Stephano sorriu para Clarence e colocou um braço sobre o seu ombro como um apoio, mas Clarence só revirou os olhos e tirou o braço dele e assim os dois riram. Algo me diz que já eram melhores amigos faz tempo. Ou amantes. Sei lá, não entendo ainda como isso funciona.

A Voz Oculta (A Portadora dos Sonhos 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora