a ida

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Ela não lembra a última vez em que fez alguma coisa pelo simples motivo de sentir prazer. Todas as instâncias da sua vida eram movidas a resultados, não importava se o caminho até o que ela queria era tortuoso, doloroso e solitário. O que ela sonhava em alcançar dependida da frieza nas conclusões, pois não é todo dia que uma mulher, abaixo dos 30 anos poderia se tornar sócia de um dos maiores escritórios de advocacia de Nova York. Seu falecido pai ficaria muito orgulhoso desse feito, pensando que tudo o que ele incentivou que ela fizesse durante a juventude era para que ela alcançasse exatamente essa posição de poder. Ele, um homem ambicioso, que fez sua fortuna sem respaldo de berço, filho de comerciante, que se tornou com muito suor e escolhas duvidosas, o maior advogado criminalista de Boston. Ela sabia que não seria fácil fugir de comparações, mas mostraria a todos que tinha talento e obstinação para chegar até onde queria, sem facilidades por ser filha de quem era.

Nasceu em Boston, cidade menor, que tinha seu valor na área da advocacia, mas não era suficiente para aquela obstinada garota de olhar focado e desejos precisos. Queria fazer sua carreira em um dos lugares mais difíceis para se destacar em sua prática. Mas como Nova York é o grande centro efervescente em sua área, tomou a decisão de entrar em um escritório na cidade que não dorme, decisão não muito difícil, para alguém que sempre foi uma pessoa sozinha, de poucas amizades e quase nenhum interesse a não ser pelo trabalho. Ela amava o ritmo daquela cidade, de transito infernal, dia a dia corrido, com pessoas de todos os lugares que chegavam com um só objetivo: se dar bem na vida, ou assim ela pensava. Acreditava que essa era a rotina de todo nova-iorquino: acordar, trabalhar, voltar pra casa e no dia seguinte fazer tudo outra vez. Em sua cabeça, a repetição não questionada a levaria ao sucesso, o que por um lado ela tinha razão, já que em breve, sua carreira seria alavancada de uma maneira inquestionável.

A grande reunião, que a consagraria como nova sócia da Parkers and Johnson, seria segunda feira, às exatas 16h. Desde que seu pai morreu, ela tentava encontrar com sua mãe em Boston de 15 em 15 dias, para que ela não se sentisse tão solitária. Seus irmãos também não moravam mais na cidade em que nasceram e ela , como ainda era a única dos filhos que não morava fora do país, assumiu que esse seria um fardo a carregar, mesmo não acreditando que os encontros com sua mãe fossem algo tão positivo. Não era uma pessoa que gostava muito de afeto, de abraços, nem mesmo de ser tocada. Sua infância não foi uma das mais calorosas, com seu pai sempre ausente trabalhando e sua mãe um pouco amargurada e ressentida por ter que criar três filhos sem o apoio emocional do marido. Dinheiro nunca faltou, o que seu pai sempre jogava na cara de sua mãe em discussões que eram ouvidas pelos cantos daquela imensa casa. Definitivamente o amor não foi algo bem explorado naquele convívio familiar.

Ela sempre saía do aeroporto JFK, que segundo ela, tinham os melhores serviços no saguão, os voos com melhores horários e que atrasavam menos. Nesta sexta feira, seu assistente cometeu um dos erros que passaria a ser um curioso acerto para a jovem que não tem interesse em nenhum tipo de intimidade.

- Como assim, John, você comprou minha passagem pro LaGuardia? – ela gritava com o jovem enquanto ele tremia na sua frente, sabendo que seu emprego poderia estar em jogo.

- Desculpe, senhorita Carvajal. Eu me confundi. Eu mudo para a senhorita... – a cara de apavorado dele lhe dava mais raiva pela sua incompetência. Ela não tinha paciência para erros patéticos.

- Você sabe que tem milhares de pessoas que matariam por esse emprego, não sabe? Então, faça-o corretamente ou eu juro que destruo sua carreira com apenas um telefonema, tá entendido? Não quero mais esse tipo de equívoco. – sua cara de fúria poderia transformar o homem mais seguro em gelatina.

Seu assistente saiu de escritório imediatamente para tentar corrigir seu erro a deixando em sua sala bufando de frustração. Já dava pra ver que esse dia seria longo. Cinco minutos depois, temendo enfrenta-la cara a cara, John ligou para o ramal da chefe.

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