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Joshua Beauchamp
Upper East Side - Manhattan, Nova York.
20 de setembro.

Sina havia tentado me convencer a sair do quarto durante toda a noite passada, o que não deu certo, então ela apenas me trouxe um lanche e desistiu. Sua força de vontade era admirável, eu realmente agradecia pelo fato dela não ter insistido. Eu gostava do silêncio e da minha própria companhia na maioria das vezes, e essa era um dos momentos.
Se eu me concentrar por um tempo apenas no barulho la fora, do vento batendo nos arbustos ou no movimento da cidade, era quase como se eu conseguisse ver novamente. Quase.

Mas apesar disso, o meu próprio silêncio estava me irritando hoje. Um fato era que nem eu mesmo sabia o porque de estar agindo como uma criança mimada. Se eu fosse meu cuidador nesse momento, eu mesmo pedia demissão ou me socaria, ou talvez os dois.

Encontrar com Courtney foi um baque, um tapa na cara, daqueles estralados e que não doem realmente, só te pegam de suroresa e te deixam irritado. Mas eu respirei, superei e tomei um sorvete. Porque era só um tapa.
Saber que Any tinha um encontro, foi como um soco no estômago. Daqueles que te tira o folego e te deixam desnorteado, que te fazem cair no chão tentando respirar de novo, e depois de horas, ainda continua doendo.
Aquilo não fazia o menos sentido, eu queria gritar, explodir, dar um verdadeiro chilique. Odiava não ter o controle dos meus próprios sentimentos, e esse era um dos momentos que eu ficava perdido dentro de mim mesmo.
Passei a madrugada inteira rolando na cama e tentando organizar o turbilhão de sentimentos que se passava pelo corpo. A questão era, por quê?

Eu conseguia me lembrar do rosto e fisionomia de Courtney. Ela era magra, tinha olhos verdes e cabelo castanho volumoso, tinha a pele como porcelana e a voz... fina, um pouco irritante as vezes.
Tivemos momentos legais e outros nem tanto, em alguns momentos eu sentia que estávamos juntos apenas por comodidade. Tinha passado minha adolescência inteira com ela afinal, chegou a um ponto que era cansativo, e apesar de tanto tempo juntos, as vezes Courtney era como uma estranha, alguém que eu nunca tinha conhecido de fato. E suspeitava que ela também não me conhecia.

Mas eu não fazia a menor idéia de como era o rosto e fisionomia de Any, e isso me matava. Ela já havia se descrito diversas vezes, pele morena, cabelos cacheados, olhos escuros... ela devira ser linda. Mas tentar imaginar algo apenas com a discrição e realmente ver são coisas totalmente diferentes.

Eu ainda conseguia imaginar Courteney na minha mente quando pensava nela, mas quando eu pensava em Any... era um borrão. Um borrão alegre e risonho e de voz doce.

Mas por que eu estava pensando nisso afinal? Nesse momento ela deve estar tendo um encontro com um cara que pode ver e dizer com todas as palavras que ela é linda. Detalhar todas as suas expressões faciais e guardar cada pedaço na mente.

Será que Any tinha covinhas, daquelas que apareciam quando as pessoas sorriem? Ou será que ela tinha aqueles sorrisos que faziam os olhos diminuírem?
Eu não sabia, e nunca saberia.

Me sentia um pouco egoísta... eu queria ela aqui, fazendo chocolate quente e contando mais uma das suas milhões de histórias sobre sua vida. Ou talvez cantando, uma vez escutei ela cantando uma música em outra língua, não entendi nada, mas qualquer coisa ficava bonito na voz dela.

Todos os meus pensamentos se resumiam à Any, e isso estava começando a me deixar um pouco frustrado. Ela era minha cuidadora, minha enfermeira particular. Era paga pra me dar remédios e me fazer companhia para que eu não moresse de tédio. Ela fazia tudo por pura obrigação.

Eu me sentia patético.

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Any Gabrielly
East Village - Manhattan, Nova York.
20 de setembro.

Behind Blue Eyes || BeauanyOnde histórias criam vida. Descubra agora