Memória fugaz, história veloz

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      Um fenômeno característico destes nossos tempos é a exagerada aceleração do cotidiano e a velocidade espantosa com a qual as alterações se processam. Mal nos damos conta de um fato, acontecimento, relato ou situação, e... lá se foram o registro e a percepção para longe de nossa memória próxima. Fatos que nos atingiram fortemente, acontecimentos que nos abalaram, relatos que nos emocionaram ou situações que nos inquietaram, desaparecem das nossas lembranças, antes mesmo que os tenhamos podido compreender melhor.
Grandes notícias desta década que acompanhamos atentamente e que ocuparam nossas mentes por um lapso de tempo: o terremoto que vitimou milhares de pessoas, o assassinato de um líder político, a morte por doença de um ídolo da música, o surpreendente acidente aéreo no Brasil, o inédito movimento de impeachment de um presidente.
Lembra-se, ainda, dessas notícias? Em que ano um cientista escocês clonou uma ovelha apelidada de Dolly? Um tsunami liquidou mais de trezentas mil pessoas; recorda-se dos países ou, pelo menos, do mês? O assassinato do líder político israelense, cometido por um estudante em praça pública, foi em qual ano, 1995, 1996, 1997? A queda do Muro de Berlim faz tempo que aconteceu? Quando? Mamonas Assassinas, lembra? Morreram em desastre aéreo no mês de março de que ano?
      Em uma quinta-feira, próximo às oito horas da manhã, fomos informados da queda, sem sobreviventes, de um avião com quase cem pessoas na capital paulista, logo após a decolagem; assistimos às chocantes cenas por muito tempo, mas, em qual ano isso ocorreu? E o processo de impeachment do presidente brasileiro, atropelado pela renúncia quase compulsória? Talvez o ano fique fácil de lembrar, mas, e o mês?
       Recordamos mais facilmente o mês e o ano do suicídio de outro dos nossos presidentes ou, até, da renúncia de um deles no início dos anos 1960; guardamos, de cabeça, o ano do término da Segunda Guerra Mundial, o nome das cidades japonesas atomicamente bombardeadas, às vezes até o dia em que o ser humano pisou na lua e o nome do estádio no qual a seleção brasileira levantou o tricampeonato de futebol. (O do tetra você lembra? E a cidade? E o do penta?).
Será que os tempos eram outros? Claro; porém, nossa dedicação e atenção sobre os fatos também eram outras. Havia uma maior possibilidade de acompanharmos os fatos sem que nossa memória fosse atormentada por uma sucessão veloz de ocorrências fugazes, marcadas por uma condição de turbinada obsolescência, com prazo de validade sempre vencendo.
      É por isso que muitas vezes os que temos mais idade nos surpreendemos com a dificuldade que a maioria dos jovens no nosso meio tem para compreender como história viva aquilo que para grande parte de nós é ainda memória. Ditadura, censura, sufoco político? Coisa antiga, podem pensar alguns. Solidariedade, confiança, utopias coletivas? Passado longínquo, afirmam outros. Paz e amor? Delírios de velhos, brincam vários.
       Ora, por que não? Por que não paz e amor? Por que não utopias coletivas? Por que não projetos políticos? É preciso, em um diálogo marcado pela historicidade, aproximar esses dois modos de viver o presente. Sem preconceito que enclausure no pretérito e sem arrogância que desqualifique o já vivido. Coisas de antigamente? Jamais! Coisas de futuramente...

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