Capítulo I - A Pousada Crow

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Finalmente o início de outubro havia chegado. Na empresa, tinha deixado todos os afazeres adiantados e todas as dicas possíveis para a pessoa que ficaria em meu lugar durante minhas férias. Sabia que seria difícil, pois ser Designer Gráfico de uma revenda de videogames pode ter seus momentos estressantes. Às vezes, mais do que eu gostaria de admitir. Parto sempre da premissa que faço o melhor que posso, sempre que gosto daquilo que faço. E, se não gosto, tenho a decência de informar que pode não ficar tão bom quanto deveria.

O trabalho vinha sendo, nesses 11 anos, sempre convidativo e novo. Nenhuma monotonia, ao contrário, por isso, esperava que a minha substituta pudesse ao menos sentir um pouco do prazer que eu tenho em fazer o que faço.

As malas tinham sido feitas no dia anterior, não sou do tipo que planeja malas com semanas de antecedência; ao tentar isso uma única vez, precisei da roupa que estava na parte mais funda alguns dias antes da viagem, resolvi evitar esse estresse desnecessário fazendo as malas sempre em cima da hora! Pode não ser a opção mais saudável, entretanto, tem funcionado muito bem até agora.

Despedi-me de meus pais, sentindo um apertinho no coração por deixá-los durante um mês, mas certa de vê-los no primeiro final de semana pelo Skype! Maravilha essa tecnologia, não é?

O voo de 11 horas pela Air Canada, Brasil – Toronto, foi tranquilo. Não posso me queixar, as turbulências até que não foram tantas, a comida especial de frutas estava até boa e na manhã de sábado lá estava eu, colocando os pés em solo canadense pela segunda vez na vida. Não tive problemas com a aduana e meu irmão me esperava lá, como da outra vez, para me levar até Brandford onde minha cunhada e meu sobrinho esperavam.

Já havia comunicado minha ida para as Rochosas, mas eles não levaram muito a sério, tentando me dissuadir na última hora; usando a boa estratégia do "seu sobrinho quase não vê você..." Realmente, o Andrés Akira me faz muito bem! Espirituoso, comunicativo, tudo que um sobrinho de 3 anos precisa ser, mas eu ia voltar! Ia passar a última semana com eles, não é mesmo?

Parece que eu nem fechei os olhos direito e a primeira semana já tinha terminado! Tudo correu tão depressa! Fomos duas vezes pra Toronto, nos bairros coreano e português. Também pedi pra ir mais uma vez no ROM, mas a exposição não era mais sobre morcegos como a que vi em 2012... Foi legal, mas aquela primeira vez foi memorável!

Enfim, perguntei ao meu irmão se poderia me levar até Toronto novamente, já com as malas prontas, senão eu ia pegar um ônibus ou táxi; da estação de trem de Toronto, pegaria um até perto de Alberta e de lá seguiria com um carro alugado até o local onde natureza e tecnologia se encontrariam.

Já tinha feito contato via telefone com o dono da pousada e estava tudo arranjado; ele até incluiu um guia para as Rochosas durante o dia, seu nome era John e ele era o filho do dono. Não tinha dado certeza, do mesmo modo que não ia responder já com um não, afinal, precisava primeiro vê-lo e conversar com ele pra decidir se seria meu guia por lá.

Meio contrariado, meu irmão me levou até a estação de carro. Minha cunhada nem quis vir e nos despedimos dizendo que em uma semana estaria de volta, "se" um urso não me atacasse nas montanhas. Nem a perspectiva de minha morte iminente por ataque de urso a fez sorrir e então eu percebi o quanto ela sentia saudades do Brasil, o quanto faltava de contato humano naquela região do mundo... É estranho, não é? Ficamos presos em situações que nos causam problemas pensando em quanto estamos ajudando quem está conosco e deixamos de pensar em nós mesmos. Até que ponto viver é isso? Desde quando, viver é isso?...

Dei um cheiro no meu sobrinho fofo e disse que logo nos veríamos, ele sorriu pra mim; ao menos alguém ali compartilhava da minha felicidade.

O caminho até Toronto foi um tanto silencioso. Disse ao meu irmão que todos os contatos dos lugares que passaria e ficaria estavam anotados num caderno em meu quarto, caso ele precisasse entrar em contato, também prometi entrar no Skype no dia seguinte, lá pelas 17h de SP, pois queria chamar nossos pais. Respostas monossilábicas, considerações sobre o perigo do que estava fazendo, sobre o quanto isso era desnecessário. Mas ao fim de cada frase ríspida eu podia perceber a preocupação na voz e, infelizmente, não poderia dizer nada para deixá-lo tranquilo, pois nem mesmo eu sabia o que esperar.

Meu Encontro com o WolverineOnde histórias criam vida. Descubra agora