Capítulo VIII - O gene X

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As afirmações de James e sua pergunta final são muito pertinentes, como ele mesmo havia tentado explicar antes, seu trabalho consistia também em ser um "headhunter" de pessoas com capacidades extra humanas. Isso explicaria o fato dele dar atenção a alguém como eu. E, realmente, não era o tipo que perdia oportunidades de saber mais sobre mim mesma, de me capacitar e, se possível, fazer a diferença! Mas será que eu realmente era o que eles alegaram? Como ter certeza disso?

"Olha, Jim, eu 'tô acabada... Não 'tô conseguindo raciocinar direito. Preciso de 8 horas de sono por dia" - e tive que rir de mim mesma, dando uma informação tão simples dessas a um cara como aquele...

"Putz! É mesmo, guria! Eu não preciso de tantas horas de sono e acabo esquecendo que muitas pessoas precisam... Fazer o seguinte: fica aqui na cabana, dorme tranquila na cama que eu fico, de novo, no sofá, valeu?! Fica tranquila que nenhum dos teus pesadelos vai te alcançar aqui, ok? 'cê se importa se eu fumar um charutão? Nessa parte, os quadrinhos também foram fiéis" - e tirou de uma gaveta próxima da lareira um charuto que parecia cubano.

Apesar de não curtir muito esse tipo de coisa, que razões teria eu para impedir a pessoa que me salvou três vezes de fazer aquilo que desejasse na casa dele, não é mesmo? Assenti com a cabeça e agradeci verbalmente, me movimentando para atrás da cortina de couro, encontrando uma cama de casal bem rústica, com chifres de animais no espaldar que acima tinha uma janela cheia de elementos inuítes; no pé da cama havia um baú de madeira escura, sobre ele algumas peles de animais e, cobrindo a cama, apenas uma peça de algodão cru. Na lateral esquerda da cama também havia uma janela, contudo esta estava coberta por cortinas também pesadas de couro. Não havia nenhum sinal de iluminação elétrica, aliás, em nenhum local da cabana... Como ainda era madrugada só a claridade da Lua penetrava tenuemente pela pequena janela acima da cabeceira da cama. Só de saber que não estava mais na pousada e que James era quem era, parece que todo nervosismo passou e aquele "peso" nos ombros desapareceu, caindo em mim um cansaço total que só me permitiu arrastar os pés até a cama e deitar desleixadamente, dormindo em seguida, sem nem mesmo sentir o cheiro do charuto que ele fumava com tanto prazer.

Acordei refeita, sentando na cama e respirando fundo desci meu tronco até os pés, fiz meus agradecimentos ao Universo e levantei lentamente, esticando também as mãos até o mais alto que podia, sentindo quase todas as minhas vértebras estalarem. O rosto de James apareceu em seguida, com outra xícara nas mãos:

"Caracas, guria! Tu é jovem demais pra 'tá "crocante" assim... Não brincou quando disse que era sedentária, hein? Fiz um café mais forte pra começarmos o dia, tá servida?" - rindo da primeira sentença e oferecendo-me a xícara, completa: "Tem também pão e frutas na cozinha. Sinta-se à vontade pra comer."

"Rá! Muito engraçado, James... Era dessas dificuldades que eu falava antes... Estou com duas hérnias lombares, além de alguns "probleminhas" mentais eventuais, que me fazem ter pânico em algumas situações...." - aceitando a xícara e dando um gole, enquanto me levantava.

"Olha, sobre as hérnias não tem muito que possamos fazer, mas sobre o pânico eu acho que tem tudo a ver com essas suas intuições ou empatias, saca? Se você permitir, a Rosie podia tentar te ajudar, sei lá... O que me diz?" - seguindo-me até a cozinha e empalando uma maçã com a garra indicadora da mão direita. "É muito bom poder usar minhas garras rotineiramente" - diante da minha cara -ainda- de "não acredito.... isso é muito louco!"

"Desculpa perguntar, mas a Rosie é ruiva?" - e soltei um sorrisinho, enquanto passava manteiga numa fatia de pão integral.

"Claro que é! Eu não ia deixar aquele pessoal da Marvel passar por cima disso. Já me basta o tanto que ele sofre naquelas histórias! Fiquei tão feliz quando ele morreu!" - e soltou uma sonora risada, acompanhada de um movimento rápido de corte da maçã e mordida numa das metades.

Não pude deixar de rir também, molhando meu pão no café e aguentando uma cara de curiosidade por parte de James sobre o que eu estava fazendo. Só pude soltar um "Que foi? Gosto assim..." e dei de ombros; voltando a questionar depois: "Quem teve a incrível ideia de escrever sobre vocês? Vocês apareceram depois das revistinhas, pra comprovar que o Stan Lee era um visionário?" - eu questionei.

"É muito difícil saber... O Stan era muito viajado e observador. Eu estive sempre no Canadá, ele veio aqui algumas vezes, pra espairecer, sempre trazia algum desenhista e roteirista também. Mas eu acho que ele sacou mesmo que era possível surgir mutações assim antes de nos conhecer... Fato é que eu o considero um super humano também. Ele fazia as perguntas certas, nas horas exatas e aí a gente não tinha porque esconder o que era. - sentou-se num banquinho perto das frutas - Uma pena ele já ter feito a grande viagem... Mas uma coisa é certa: a Marvel escreveu sobre o Wolverine depois que ele me conheceu, naquela época eu era solteiro e vivia nas Rochosas, fazendo as vezes de guia e, ocasionalmente, trabalhando de lenhador. Eu me considerava um pária, não tinha ninguém pra quem pudesse contar, todos que eu conhecia já tinham morrido... - a voz de James foi se tornando mais baixa, cheia de saudades - Eu realmente fugi de casa quando as garras apareceram pela primeira vez. E quando eu senti todos aqueles cheiros e ouvi tudo ao mesmo tempo, achava que tinha ficado louco! Corri o quanto pude procurando silêncio e paz, encontrei aqui nas Montanhas. Aos poucos fui vendo que eremita não era a minha "praia" e desci pra buscar alguma colocação profissional. Eu parecia ter 15 anos... Mas já estava com quase 30! Mas 'cê não veio até aqui pra saber da minha vida, né?" - ele voltou a sorrir, seus olhos azuis miravam novamente pra realidade.

"Olha, aí que você se engana, viu?... Se soubesse o quanto é incrível poder conversar com um ídolo!.... Eu não deixo de ser uma fã sua, James! Mais uma nesse vasto universo de fãs!" - meus olhos até brilhavam e, levantando a manga da camiseta, mostrei pra ele minha tatuagem: três garras no braço direito, de onde escorria um leve sangue, imitando uma capa dos X-Men, onde aparecem Logan e Jean se pegando. "'tá entendendo o nível de fanatismo?"

Ele não acredita, arregala os olhos e sorri de lado, ficando novamente com um leve, mas perceptível, rubor: "Eu 'tô ligado do que os fãs são capazes! Eu não passo muito tempo olhando a internet, já que essas pessoas são fãs do Wolverine, eles nem sabem da minha existência, que é muito diferente da dele! Mas pelo pouco que vejo, tem até umas "loucuras" maiores por aí, né? Saca, não tenho adamantium, não sou "pegador" e nem ando tanto de moto; muito menos pago briga com almofadinha em escola, porque na verdade eu sou diretor de uma..." - soltou, quase que aliviado por não ser o Wolverine.

Não pude deixar de sorrir dos comentários, fazendo carinha de "pena" ao ouvir que ele não era pegador e ficando muito interessada nessa parte de "diretor de escola", bem como no tal "gene X", ao que acabei perguntando:

"Mas essa escola e essas pessoas possuem algum estudo genético sobre o tal "gene X"? A ciência não fala nada de vocês, no caso, de nós." - e sorri nervoso, era complicado se imaginar parte de algo assim.

Ele segura na minha mão com um sorriso quando eu comento sobre "nós" e completa: "Existem evidências científicas sim, com o projeto Genoma e como o governo canadense tem interesse em nós, eles realizam esses testes genéticos. Ao que parece, muitas características que não são físicas, como no teu caso e no da Rosie, podem não aparecer no DNA como algo realmente mutado, mas no meu caso e no daqueles que citei: garota que atravessa paredes e rapaz que se teleporta, os genes podem ser encontrados sim. Mas o engraçado é que a tentativa de replicar essas mutações com 'loci' conhecidos não resultou na mesma mutação... -e eu arregalei os olhos, soltando "que é isso?! experimentos em humanos?"- Ah! Não! São modelos de inteligência artificial, que eu saiba, ainda não tentaram experimentos em humanos não, aff... Continuando, ao que parece é a vontade por trás do corpo que determina como a mutação vai se manifestar. Muito louco, né? Quer dizer que mutações iguais podem ter resultados totalmente diferentes, dependendo da pessoa."

"Eu não sei você, mas pra mim isso faz total sentido! Já que eu acredito em algo que preexiste depois da morte e que, portanto, anima o corpo durante a vida e seria essa 'vontade por trás do corpo'... Eu até aceitaria a ajuda da Rosie sim, mas não quero ter meu DNA analisado..." - tinha terminado meu café e estava cortando uma maçã com a faca.

"Ouviu, Rosie?" - ele verbalizou.

"Sim, meu amor" - ela respondeu em nossas mentes, não de modo desconfortável, mas vai saber desde quando ela estava "escondida" lá, né?...

E eu, enquanto levava o copo pra lavar e jogavafora os restos da maçã, soltei: "E então, qual é o plano, pessoal?"

Meu Encontro com o WolverineOnde histórias criam vida. Descubra agora