O relógio digital anunciava a hora do Ave Maria, o silêncio quase sepulcral anunciava o prelúdio de um jornada no qual a figura escolhera caminhar só. Despia-se de todas os seus infortúnios, de seus anseios, de suas perdas, sua força.
"De que adianta lutar?"
Esse era o pensamento que rodeava sua mente a todo o momento. Se perdeu no tempo em que se olhou no espelho, havia ficado ali durante longos e longos minutos, tanto que nem viu os raios solares invadirem sua casa tentando devolver-lhe vitalidade. Que vitalidade? Não tinha mais nada, não lhe restava mais nada, seu interior estava oco como o caule de uma árvore morta ou como uma parede falsa de uma casa.
Uma parede falsa.
Sentia dor. Não física, mas emocional. Enquanto admirava-se de frente ao espelho sentia mãos envolverem seu corpo tentando resgatar toda sua sanidade. Que sanidade? A partir do momento em que passava a ficar só toda sua sanidade esvaía-se de seu corpo na mesma velocidade que um tiro de misericórdia era disparado da arma de um assassino. Aquelas mãos que sentia lhe abraçar eram as mesmas que em outros tempos eram suas e com elas foi capaz de lutar pela vida, usando delas para escalar montanhas, derrubar muros, desbravar fronteiras e conhecer outras formas de vida. Com aquelas mãos conseguiu se defender de todas as agressões, segurou o primeiro filho, o segundo, o terceiro... Agarrou todas as chances que tinha para conseguir sobreviver.
Aquelas mãos também lhe bateram. Ah, e como bateram... De repente aquelas mãos se transformaram nas mãos de outros que foram erguidas para lhe agredir. Não foi uma vez, nem duas. Fugiu tantas vezes de agressões que se perguntou como estava ainda de pé, não queria mais estar de pé, tinha cansado.
Pela casa nada era escutado, nem mesmo seus passos que foram ágeis para chegarem até uma parte escondida de seu closet e puxar do fundo de uma gaveta uma caixinha retangular. Voltou para sala, esvaziou sua mesa de centro colocou Edith Piaf para cantar ao fundo e quase sentiu fundir-se a voz incomparável da cantora francesa. Despejou todo o conteúdo da caixinha sobre a mesa, com uma régua separou as carreiras e dispensando o canudo que sempre usava juntou seu nariz com o móvel para aspirar a primeira carreira de cocaína.
Regina, estava jogando no entorpecente todo o anseio em que tinha pela liberdade.
Segunda e terceira carreira.
Suas mágoas se tornavam as mágoas de Edith Piaf. As lágrimas aqueciam o rosto gélido daquela que desejava no jantar sentar-se na mesa dos deuses.
Trocou de narina.
Quarta e quinta carreira aspirada.
Ah, a leveza. A sensação de tocar as nuvens mesmo sem sair do chão. A paz que seu coração e sua alma tanto desejavam.
Sexta e sétima carreira.
Sacudiu todo o corpo e coçou o nariz.
O coração batia a galopes de um puro sangue em uma corrida, em seu corpo não restava nada mais além do formigamento característico que a cocaína trazia.
Oitava carreira.
Se levantou e abriu os braços para fazer De Edith sua backing vocal enquanto cantava a plenos pulmões "Hymne à l'amour". E de repente a tontura, a falta de ar, o peito fisgar e a cabeça quase explodir. Regina Duarte caiu no chão de braços abertos como Cristo do ser crucificado.
Ela tinha alcançado a paz.
***
Não fazia muito tempo que Antônio estava acordado, para falar a verdade ele nem sabia se estava acordado ou só com os olhos abertos. Sabe a sensação de estar acordado mas ao mesmo tempo dormindo? Era dessa forma no qual ele se sentia e estava naquela posição há alguns minutos para na tentativa falha de que assim conseguisse mesmo dormir.
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Teu corpo é meu texto
FanfictionRegina está recém separada e quer um tempo para ela. Antônio está se divorciando e deseja um momento para pensar. Mediante aos altos e baixos da vida, o que eles não esperavam é que encontrariam um no outro a chance de seguir em frente. História to...