Capítulo 1

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Capítulo 1

Nossa grande vulnerabilidade é deixarmos espaços internos vazios.

Celebrimbor era um bom exemplo. Era um dos descendentes de Feanor, o grande artífice o qual criara as próprias Silmarili. Ora, Celebrimbor tinha as mesmas aspirações de seus antepassados e amava muito as artes da forja e das pedras preciosas.

Parecia ele realizado, pois fundara uma das melhores companhias de forjadores e artífices de toda a Terra-média. Tinha uma medida acima da média de respeito e consideração dos demais povos. Até mesmo com os Naugrim ele tinha boas relações.

Apenas aquela lacuna ainda estava vazia. Além, claro, de todas as matanças as quais ele fora obrigado a presenciar na Primeira Era. Porém, apesar de as mesmas terem deixado uma marca perene em seu coração, àquele momento elas eram como uma cicatriz e uma distante lembrança; não mais como uma chaga purulenta.

A senhora Galadriel, sua prima distante, já lhe aconselhara a desposar alguém dentre sua gente mesmo. Pois via no coração dele uma sombra de solidão, e tal sombra não seria boa. O celibato não era totalmente bom para pessoas como ele, por mais que dissesse estar feliz com suas obras.

Ele sorria, dizendo a ela que estava feliz como estava. Mas na verdade não era assim. Apenas... naqueles séculos todos ninguém tocara seu coração de fato. E ele preferia ficar solteiro a se unir a alguém a quem não correspondia plenamente

Mas aquele vazio ali permanecia. Ele tentava preenchê-lo com as obras, com as longas viagens que fazia com os anões, com diversas coisas. Porém ele permanecia. O grande perigo dos vazios não resolvidos é justamente o de sempre haver alguém "esperto demais" para preenchê-los, porém para seu próprio proveito, e não do outro. A senhora Nerwen, por mais austera que às vezes parecesse, era sua amiga. Enxergava aquele vazio, porém não o manipulava nem se apoveitava dele.

Em breve, porém, chegaria alguém que tomaria a esse Vazio para si. E além de preenchê-lo, o tornaria numa fonte sem fim de sofrimento e dor, embora no começo parecesse ser exatamente o oposto.

Numa tarde, ao descansar um pouco do seu trabalho nas forjas, Celebrimbor recebeu de um guarda um inusitado recado.

- Senhor, há aí na porta um homem que deseja falar com o senhor.

- Um homem? Quem é?

- Diz-se chamar Annatar e tem mensagens dos Valar aos artífices aqui presentes.

- Um mensageiro de Valinor? Há quanto tempo não recebemos um desses! Pois podem ser inimigos disfarçados. Vejamos! Vou com toda a guarda até lá.

Sendo assim, ainda muito cauteloso, o Noldo foi até os principais portões de Eregion e lá o viu. Um homem louro, muito alto, com cerca de dois metros de altura. Envergava um traje simples porém muito claro, bordado a ouro. E usava um capuz o qual ocultava parcialmente a seus cabelos e rosto, mas não totalmente. Assim que Celebrimbor se apresentou, o assim denominado Annatar sorriu e se portou de maneira muito gentil e humilde.

- Muito obrigado por me receberem. Um de meus títulos é Annatar, o Senhor das Dádivas. Também fui, em meu tempo, um dos maiores discípulos de Aule.

Celebrimbor ainda olhava com desconfiança para aquele ente; porém, por seu porte, pelo brilho de seus olhos, percebia que de fato era mais do que mesmo os Eldar mais conceituados. E por isso mesmo teve receio de admiti-lo entre os seus assim tão abertamente.

- Perdoe a minha desconfiança, senhor. Porém, sabe o quanto já sofremos com inimigos e investidas de diversos tipos. mesmo dentre os próprios Eldar, muitos sendo nossos parentes. Portanto, como saber se é amigo ou inimigo?

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