Prólogo

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Começa sempre da mesma maneira. Primeiro com uma sensação congelante, um toque suave da neve sobre a minha pele e, quando abro os olhos, aquilo com que me deparo é com uma paisagem exclusivamente branca, tocada pela neve que cai dos céus cinzentos sem parar. Umas vezes mais fraca, e noutras mais forte. Sussurros ecoam em toda a minha volta, não sei dizer ao certo a sua origem, mas a intuição fala-me que vêm das árvores.

É isso possível?

Sei que é. Onde estou não é um lugar qualquer e dentro do meu coração, consigo percebe-lo. Não se compara a nenhum outro lugar onde tenha estado antes, mas é como se o meu corpo o conhecesse e soubesse onde eu estou.

Onde estou?

E nesse momento, acordo.

Adormeci de novo à sombra da enorme e velha sobreira nos relvados do jardim. O som dos pássaros é fraco, comparado aos dias de primavera e verão ensolarados. Esta, o bom tempo que conseguimos receber, consistia em alguns raios de sol pelo meio da tarde e um céu brevemente nublado, antes das nuvens cinzentas e negras regressarem às suas posições e nos agraciarem com chuva. Devido a isso, os terrenos à volta da casa, encontravam-se completamente ensopados, deixando erva fresca crescer verdejante. Por outro lado, os charcos de água enchiam-se com alguma vida pelas rãs, e no meio da estrada, poças lamacentas faziam se sentir ao serem atravessadas pela carroça do meu avô e os carros vindos das povoações vizinhas.

A casa do avô era isolada das restantes casas da vila. Só a mesma em si já era bastante pequena e pouco conhecida, o que a tornava um porto seguro para os refugiados da guerra. Raramente recebíamos noticias de algum tipo de ataque nas redondezas mais próximas, ao contrário da capital. A maior parte das noites, antes de dormir, ouvia um pouco do radio velho e bem usado da casa. E nessas noites, era sempre relatado alguma novidade sobre a guerra.

Isso relembrava-me muitas vezes sobre os meus pais. Era óbvio que numa guerra, eram precisos haver militares para lutar pela nossa pátria, e esses militares vinham sempre de alguma família. O pensamento que me assombrava nessas noites eram as famílias separadas.

Como órfã, crescer sem pai nem mãe não tinha sido uma tarefa fácil. Tinha poucas memórias sobre os meus pais, e o pouco que a Mrs. Macready e o avô contavam, para além que eles tinham sido boas pessoas, era sobre as parecenças inconfundíveis que tinha com a minha mãe. Isso só aumentava as minhas saudades sobre eles. Daí ser fácil imaginar como muitas crianças deveriam se sentir com as probabilidades abatidas sobre a sua família.

- Sophia Kirke! - A voz esganiçada da governanta alcançou-me, vinda diretamente da entrada da grande casa. Tal só poderia significar que eu estava em algum tipo de problema.

Os músculos demoraram algum tempo a finalmente acordarem dos meus desvaneios, fazendo com que logo que possível, pudesse erguer-me e sacudir alguma da erva seca presa no algodão da saia. Por muito suave que o tecido costumasse ser, havia alturas que o mesmo se tornava desconfortável ao toque. Talvez fosse pelo uso, ou então pelas lavagens. Macready não gostava quando, por vezes, queixava-me sobre o desconforto. E honestamente, evitava fazê-lo quando ela se encontrava por perto.

Ao fim de alguns segundos, as minhas pernas estavam finalmente prontas para correrem pelo relvado molhado até à porta da cozinha. De novo, era uma das coisas que a governanta não gostava que eu fizesse. Misturar-me e atrapalhar os empregados da casa nos seus afazeres da cozinha. Mas todos eles eram meus amigos e adoravam quando conseguia "passar a perna" à Macready para os conseguir ver ou fazer alguma companhia. Uma das coisas que eles mais gostavam que eu fizesse quando me encontrava no cómodo, era cantar-lhe breves melodias. Diziam que lhes relembrava a felicidade de uma criança na casa.

The Fifth Child [Narnia Fanfic]Onde histórias criam vida. Descubra agora