08

537 57 19
                                    

Charlotte atravessou o portal e apertou os olhos por conta da forte luz que ele emitiu ao fechar, assim que sentiu a claridade diminuir consideravelmente, piscou para se adaptar à escuridão. Olhou ao redor, estava em um corredor escuro e úmido, de todos os lados haviam celas que a causavam um arrepio assustador. Não entendia o porquê do portal ter aberto naquele lugar, só podiam ter errado algum número durante os cálculos, Henry não poderia estar ali.

Caminhando com cautela, começou a olhar dentro de cada cela, a maioria estava vazia, mas em algumas viu enorme pilhas de caixas ou gaiolas de vários tamanhos. Quando chegou ao fim do corredor, encontrou uma figura deitada em um canto, parou de frente para as grades e ligou a lanterna, a única luz que a impedia de andar a esmo era a da lua que passava parcamente pela pequena janela no alto da parede de cada cela.

Apontando a luz para a figura, a viu se mexer e sentar-se de forma exausta. Seu coração apertou, sua respiração parou subitamente e sentiu o tempo ficar em suspensão. Ali à sua frente, com a blusa manchada de sangue, os braços presos atrás do corpo e com um olhar assustado estava Henry, seu Henry. Mesmo que em um corpo diferente, com o cabelo batendo no ombro e vestido como se fosse algum projeto de músico falido, sabia que era ele.

- Charlotte?

A voz quebrada dele a fez reagir. Notou que ele a encarava desconfiado, provavelmente não sabia qual Charlotte estava a sua frente. Ela rapidamente pegou o laiser que havia trago e acertou o grosso cadeado que prendia o portão da cela. Entrou apressada, mas assim que se abaixou em frente a ele, não conseguia parar de olhar para os arranhões, o sangue, os machucados que estavam visíveis por conta da luz da lanterna.

- Charlotte. - escutou ele a chamar calmamente, mas sentia que seu corpo estava paralisado. - Char, olha pra mim. - ele pediu, mas ela escutava sua voz cada vez mais longe. - Charlotte, se concentra na minha voz.

Ela queria, queria tanto, mas estava começando a hiperventilar, não estava mais no controle do próprio corpo. Não era para ser assim, não podia estar daquela forma, não deveria perder o controle, principalmente de si mesma. Estava se perdendo, não o escutava mais, sua visão estava turva e não sentia mais nenhuma parte de seu corpo. Sabia que estava a um passo de desmaiar, mas um leve toque em sua testa a impediu.

- Me escuta, por favor. Me escuta.

A voz dele estava ficando mais alta, saindo do eco que havia se transformado no fundo de sua mente. Se concentrou nisso, se concentrou nele. Fechou os olhos e tentou voltar.

- Só se concentre em mim. Inspira profundamente e solta o ar devagar.

Tentou, mas balançou a cabeça sentindo um grande bolo se formar em sua garangta, tinha a certeza de que lágrimas grossas já escorriam por sua face.

- Você consegue, eu sei que sim.

Tentou novamente, dessa vez conseguiu acalmar minimamente seu coração que batia desenfreado. Inspirou profundamente e soltou o ar devagar mais quatro vezes seguidas antes de conseguir sentir sua respiração começar a voltar ao normal.

- Isso. Eu estou aqui, não vou sair de perto de você.

A voz dele era como uma âncora que a impedia de se perder no tsunami que a invadia. Se concentrando totalmente nele, conseguiu abrir os olhos ainda um pouco ofegante. Encontrou os dele a encarando aliviado, percebeu que estavam com as testas coladas, o que o fez estar em uma posição nada confortável. Porém, permaneceram assim por mais alguns minutos até que ela estivesse conseguindo respirar normalmente.

- Está melhor?

Só conseguiu assentir, afastou-se dele devagar e com o laiser cortou a corda que o amarrava. Henry a encarou agradecido e começou a massagear os pulsos.

- Você está machucado. Realmente machucado. - falou em um tom baixo, tocando levemente a bochecha esquerda dele com a ponta dos dedos.

Era um corte não muito profundo, parecia ter sido resultado de algo afiado que passaram em sua bochecha ou ele deve ter se machucado quando o jogaram no chão. Até porque podia ver o brilho de algo quebrado perto do Hart, provavelmente era vidro. Henry se encolheu um pouco quando ela o tocou e Charlotte bloqueou tudo para que não tivesse outra perda de controle. Mas era quase impossível quando ela nunca o havia visto daquela forma antes.

- Agora estou bem. Vou ficar. - afirmou, pegando a mão dela que estava livre e a dando um leve aperto. - Mas precisamos sair daqui rápido.

- Certo. - concordou decidida. - Você consegue andar?

- Sim. Só a minha cabeça que dói um pouco. - avisou, levantando-se junto com ela.

Charlotte queria ver o machucado, saber se havia um corte profundo, mas eles estavam sem tempo. Sentia a energia do lugar, não estavam seguros.

- Vamos por aqui, mas acho que tem câmeras.

Após ele dizer o óbvio, a Bolton sentiu um balde de água fria ser jogado sobre ela. Como não havia pensando nisso? Sempre foi tão cuidadosa e agora poderiam ser pegos por um detalhe importante que ela não havia lembrado.

- Sou muito burra. - soltou frustrada, tombando a cabeça para trás.

Henry parou antes de sair da cela e a encarou determinado.

- Você definitivamente não é burra. Se alguém é, esse alguém sou eu, até porque só estamos nessa situação porque não consigo realizar uma missão sem ferrar com algo. - falou, sentindo toda frustração de tempos transbordar por ele. - Se eu tivesse te escutado, se não tivesse acredito em um Schwoz louco, se pelo menos tivesse dado um crédito a sua versão dessa terra. Se-

- Você tem que parar com isso. - disse, se aproximando e levando uma não novamente ao rosto dele. Henry não a encarou e Charlotte levou a outra livre à outra bochecha. Virou o rosto dele para que a encarasse. - Você é uma das pessoas mais corajosas que eu conheço, abrir mão de uma vida normal para ajudar a proteger sua cidade não é pouco, lutar todos os dias correndo inúmeros perigos não é burrice e sim coragem. A mais pura e altruísta. Problemas vão aparecer, sempre irão, mas agora temos que focar na nossa saída daqui.

Sentiu a pele esquentar onde as mãos dele apertavam sua cintura, mas ignorou para tentar traçar um plano que os fizesse sair vivos e bem dali.

- Não tem como sair da forma que você veio?

- Não. - respondeu, afastando-se dele novamente. - Não posso realizar a troca entre você e o outro porque se não é ele quem vai ficar preso aqui. Não posso fazer isso com ele.

Mesmo que ele mereça. Pensou ainda irritada.

- Não lembro de nada porque me trouxeram inconsciente pra cá, mas sei que a saída desse lugar dá pra cozinha. É nossa única chance.

Deveriam ser discretos e rápidos. Se ninguém havia aparecido até agora era porque ou estavam os esperando na saida ou por sorte nao havia ninguém monitorando, mas seria uma sorte colossal se não ouvesse ninguém na casa, principalmente a noite.

- Char, precisamos sair daqui antes que ele apareça. - pediu, com um leve tremor na voz e uma expressão quase desesperada.

- Quem? - perguntou preocupada.

- Só, vamos sair daqui logo.

Assentiu rapidamente e se pôs a pensar em algo que os tirasse daquele lugar medonho. Talvez nunca mais pensasse aquilo, mas ainda bem que Ray havia colocado um arma em sua mão.

TimelessOnde histórias criam vida. Descubra agora