Nancy

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"Busquei ansioso um pensamento
Que pudesse traduzir
O que minha alma fez por ti."

Nancy (Carlos Galhardo)

***

Nancy P.O.V

Havia sido um longo dia na clínica de psicologia da faculdade. Atendi 3 novos pacientes. Havia um homem de meia idade que não conseguia lidar com a morte repentina da filha, uma adolescente com problemas de auto estima e uma criança recém diagnosticada com TDAH. Felizmente, todos os dias, por mais difíceis que sejam, eu sempre aprendo algo novo. Hoje, aprendi que não importa quem somos ou em qual fase da vida estamos: todos nós teremos problemas.

O principal motivo pelo qual eu decidi cursar psicologia foi porque eu sempre achei a minha vida perfeita demais. É estranho, eu sei, mas infelizmente não é todo mundo que tem pais amorosos, irmãos apoiadores e passeios semestrais à Disney. Quando eu finalmente me deparei com a vida real, foi um choque e tanto de realidade. Eu estava na Califórnia passando as férias e um morador de rua me pediu um trocado para poder almoçar. Eu dei a ele 10 dólares e ele chorou. Disse que conseguiria comprar muita comida com aquele dinheiro. Eu achei engraçado porque eram só 10 dólares mas pra quem já não comia há quase 7 dias, seria a refeição de uma semana toda. Ele era extremamente simpático e inteligente. Poderia conversar sobre qualquer coisa. Naquele dia, ele me contou sobre os lugares nos quais os Beatles haviam se inspirado para compôr algumas de suas músicas.

No fim das contas, eu passei a encontrar Francis (esse era o nome dele) todos os dias durante meus 15 dias de férias na Califórnia e descobri algumas coisas: ele havia tido uma infância difícil, a mãe dele havia morrido de câncer quando ele tinha 7 anos, e ele foi obrigado a viver com o pai alcoólatra e violento. Aos 12, ele fugiu de casa e passou a morar nas ruas. Se envolveu com drogas, foi para a reabilitação, depois se casou, a esposa o trocou por outro homem porque ele era um pé rapado e então ele entrou em uma depressão profunda. Depois disso ele se afundou na bebida e desde então estava próximo aquela praia na Califórnia pedindo esmola.

O fato é que ter me tornado amiga de Francis foi o maior sofrimento da minha vida. Eu estava disposta a ajudá-lo. Eu prometi a ele que o faria, mas infelizmente ele faleceu antes que eu pudesse vê-lo novamente. A causa da morte? Suicídio. Como eu soube? Ele me mandou uma carta alguns dias antes usando o dinheiro de uma esmola. A carta dizia "obrigado por olhar para mim. Você foi minha melhor amiga.". Abaixo do texto garranchoso, uma data, a data da morte. Na noite da data expressa na carta, movida por um pressentimento negativo, decidi ligar para um restaurante próximo ao local onde Francis costumava ficar. Foi então que recebi a notícia de que um morador de rua havia se jogado no mar durante a noite e morrido afogado. Eu chorei como se tivesse perdido um amigo muito próximo, e de fato, ele era. Depois disso, prestei o vestibular para psicologia e fui morar em Athens. Eu estava motivada a viver a minha vida mostrando para as pessoas que sempre há novas chances.

Na época em que entrei na faculdade Lettie se tornou a minha colega de quarto e logo, minha melhor amiga. Eu sempre gostei de observá-la para tentar entender mais sobre a psiquê humana e saber porque as pessoas se comportavam como se comportavam. No meio disso tudo, ela conheceu Will e seu comportamento se tornou ainda mais problemático do que antes: crises de choro recorrentes, problemas com auto estima e humor. Sem demorar muito percebi que ela estava em um relacionamento abusivo. Eu tratei de alerta-la mas para a vítima nada é tão fácil assim. Então eu a vi sofrer por um longo período nas mãos dele, sendo que ela sentia a dor e não percebia. Eu chorei muito nessa época, mas não tinha forças para lutar mais por ela.

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