Capítulo 20 | querido diário

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(Esse capítulo pode causar desconforto em pessoas que tem gatilho com assédios sexuais e morais.)

Na casa da Diana

   “Querido diário,

   Já amanheceu faz pouco mais de cinco horas, e eu sigo dentro do meu quarto. Os dias eram outros em que acordar junto ao sol, dançar em frente a janela e preparar o café, eram minhas prioridades ao acordar.

   A cada dia que passa sinto algo me consumir por dentro. Carrego esse peso de culpa que não me pertence, de um caso passado. Já se passaram tantos meses e nem na mesma cidade estou.

   Estudo em uma nova escola, fiz amigas novas e até amigos meninos. Não nego, confesso que depois do ocorrido, acreditei que não mais seria capaz de me aproximar de meninos. Na forma romântica me mantenho longe, mas é bom ver que sou capaz de ter amizade com um menino, dois meninos aliás.

   Agora me resta agradecer ao universo pela benção recebida de constituir novas amizades, que ao me ver serão duradoras. É visível o respeito que cada uma tem, por si e pela outra. Penso que seria uma boa enfim falar sobre o caso, porquê mesmo depois de tanto tempo, toda aquela sensação de me sentir exposta ainda me persegue.

   Faço terapia duas vezes ao mês, e por ironia do destino ou qualquer outra coisa que não me quer bem, meus momentos de crises só chegam quando o dia de terapia está longe, como hoje.

   Há um medo comigo de que a qualquer momento alguém da antiga escola entrará em contato com alguém dessa escola atual, irão me expor de novo e toda perseguição irá voltar. Não será apenas como uma sensação causada pelo trauma que trago comigo, será algo real e talvez até mais rígido.

   Querido diário, o que me acontece é que namorei um garoto no início do semestre passado, ele era bom pra mim... Bom, pelo menos ele foi até um dado momento.


   Não tinha uma boa concentração durante as aulas, então ao voltar pra casa me esforçava pra entender um pouco da matéria.
   Quanto a ele, trabalha desde muito cedo com o seu pai em uma madeireira da família. Sua rotina é formada por estudos, trabalho e um pouco de descanso de noite. A gente mal se via fora do colégio, por isso era frequente mandar fotos um pro outro.

   Não me cuidei como deveria, e em algumas fotos meu rosto apareceu. Pensei que estava tudo bem, quem sabe ele até se excitaria mais.

   Em sua defesa, ele me disse que estava bêbado e deixou seu celular desbloqueado na mesa de sinuca, mesa essa que estava cercada de caras mais velho, caras da sua idade.  Eu recém tinha completado quatorze anos e ele já estava chegando aos dezoito.

   Naquela noite, mandei uma mensagem perguntando se tava tudo bem, e junto enviei uma foto como o habitual. Ele não estava perto da mesa em que deixou o celular. Quem viu a primeira foto, fez questão de rever todas as fotos anteriores e encaminhar para seus amigos da mesa.

   A merda já tava feita.

   A foto se espalhou como a chama persegue um rastro de pólvora, e eu sem saber de nada, dormi.
   Na manhã seguinte, tomei meu banho, vesti minhas roupas mais frescas, pois era verão e fazia calor lá fora. Estranhei o fato da mensagem ter sido visualizada sem que eu obtivesse uma resposta, mas segui.

   Peguei o mesmo ônibus de todo santo dia. O único ônibus da manhã que, com sorte, consigo pegar as seis.

   Chegando no colégio, os olhares são muitos e vem de todos os lados. Algumas pessoas começam a me tocar e eu não consigo entender. O corredor é largo não há necessidade em se espremerem.

   Quando percebo que o que faz com que me toquem não é o fato do corredor ser largo ou não, corro. Corro como nunca antes corri nessa escola. Entro no vestiário feminino e antes que eu possa me escorar na parede, minhas pernas perdem a força e eu caio no chão.

   Acordo cercada por um grande grupo de alunas que me perguntam sem parar algo que ainda não consigo ouvi. Me dou por conta e o que me perguntam é, “o que foi que você fez com a sua vida?”

   É como em uma paralisia do sono. Eu durmo e acordo sentindo o toque das muitas mãos, o peso das perguntas e olhares que me cercam.

   Querido diário, eu estou cansada.

   Cansada de ter que enfrentar toda manhã os mesmos fantasmas.

   Cansada de chegar na escola e ter de segurar o choro antes que enfim veja os rostos reais das pessoas, e não dos fantasmas que me perseguem.”

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