Henrique
Meu dia tinha sido péssimo. Havia passado o fim de semana inteiro tentando adiantar os trabalhos da faculdade e apesar do esforço só consegui terminar metade deles. Esse é o lado ruim de se cursar Direito, o trabalho nunca terminava e para compensar eu ainda tinha que ler dois livros para terça-feira. Mesmo assim, apareci no trabalho, como sempre. O aluguel da minha quitinete minúscula é provavelmente um dos mais baratos da cidade, mas ainda assim continuo tendo que ralar para poder pagá-lo.
Nada melhorou quando o chef Antônio começou a surtar na cozinha e descontar nos garçons, ou seja, em mim. O pior de tudo era ter que descer para servir aquelas pessoas que usavam roupas mais caras do que a casa da minha mãe, tudo isso por um salário que nem é lá essas coisas. Nem preciso dizer que quase derrubei todo o uísque na mesa dos donos da festa quando Selene me abordou. Aquela garota tinha me dado uma dor de cabeça enorme no fim de semana passada, além de colocar um dos meus melhores amigos em coma alcoólico e fazer com que Joana se recusasse a olhar novamente na minha cara. Para melhorar ela ainda estava usando um vestidinho preto minúsculo, que fazia com que todos os homens tivessem que se esforçar – eu pelo menos estava me esforçando bastante – para não olhá-la de modo indiscreto.
Me obriguei a segui-la assim que me toquei o porquê dela ter me perguntado sobre a localização da cozinha. Se eu estava preocupada com ela? Na verdade eu estava mais preocupado com meu emprego, já tinha visto o estrago que aquela garota podia fazer. Mas consegui ser idiota o suficiente para deixa-la entrar na cozinha.
Agora aqui estou eu, encostado no parapeito da varanda da cozinha, encarando a loira que estava batendo o recorde em estragar meus finais de semana. No luar seu cabelo parece ser quase branco. É uma coisa meio hipnotizante observar o contraste entre o cabelo e a pele clara e aqueles olhos dourados. Ela tinha acabado de rir sobre minha piada ruim dos velhos lá em baixo. Sua risada havia me feito sorrir, era estranhamente contagiante.
De repente ela se vira e sai andando, sem dizer nada.
– Aonde você vai? – pergunto, sem conseguir entender.
– Vou falar com o chef Antônio, preciso de café – ela me responde, como se isso explicasse tudo e depois continua seu caminho. Ótimo. O melhor é que eu cometo o erro de segui-la.
Ela sai vagando pela cozinha, atrás daquele ser minúsculo porém barulhento que Antônio é e só para quando consegue achá-lo. Olho meu relógio apenas para confirmar, está perto de meia-noite. Por que Selene está atrás de café?
– Temos sim! Mas por que você quer café, senhorita? – ele pergunta assim que ela lhe fala sobre o café. Ela olha para os lados, provavelmente pensando em alguma resposta.
– Eu estava estudando as propriedades dos temperos nas sobremesas e acredito que um pouco de café em pó ficaria perfeito em cima da sua mousse de chocolate, como disse meu professor no curso de Gastronomia, é preciso experimentar – ela fala de jeito animado, quase confiante. Antônio a encara com brilho nos olhos – Por isso eu estou procurando café, mas café feito, não em pó. É uma expe... – ela nem precisou terminar de falar para que Antônio respondesse apesar dela estar falando coisas sem sentido.
– Claro, claro! Vou testar o que a senhorita me falou, até porque talento é coisa de família! – ele diz batendo palmas. Selene sorri, satisfeita – Bom, acho que Ricardo fez café para jogar na redução do molho da entrada, deve ter sobrado alguma coisa – Antônio comenta, indicando um bule em cima de um fogão pequeno no canto da cozinha.
Selene sai andando, mas dessa vez olha para trás para ver se eu estou seguindo. O pior é que estou. Quando ela se vira novamente esbarra em alguém que derruba um vidro de canela. O cheiro toma conta da cozinha.
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Selene
RandomUm passado amoroso traumatizante havia feito com que Selene passasse de filha perfeita para garota má. Com sua beleza de dar inveja em qualquer uma, sua maior diversão é destruir os casais perfeitos e gastar todo dinheiro de seu pai em saltos da Cha...