Capitulo 01

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Sentei na cama e respirei fundo, olhei para a foto na cabeceira ao lado, era o reflexo da vida que eu tinha e de repente desapareceu, três meses já havia se passado e eu ainda não conseguia falar a verdade, no fundo quem eu queria enganar? Estava vivendo uma mentira a quase um ano, e só agora realmente tive a coragem de tomar uma atitude. Tomei um banho rápido e peguei o material da aula, tinha tantas coisas para fazer que mal consegui tomar café.

- Lis, pensei que fosse perder o ônibus._ Isabela me abraçou assim que parei no ponto ofegante e com as bochechas vermelhas pela correria

- Nem fala, sendo sincera eu não sei o que acontece todo o dia de manhã, mas parece que as coisas criam pernas. _ Isabela sorriu enquanto entrava no ônibus lotado, caminhamos com dificuldades ate a parte de trás, era difícil locomover com tudo o que carregávamos.

- Acho que preciso ter uma conversa com o Sergio, não é possível._ sorri envergonhada, ainda não havia contado para Isabela que tinha separado, na verdade não contei para ninguém, no fundo sentia medo da reação, não estava pronta para os julgamentos. Chegamos na escola junto com o sinal, despedi de Isabela e segui direto para a sala onde os alunos esperavam agitados minha chegada.

- Bom dia turma, desculpa o atraso. Hoje vamos falar sobre poemas e poesias, alguém conhece algum que queira compartilhar?

- Batatinha quando nasce, espalha a rama pelo chão, menininha quando dorme, coloca a mão no coração..._ Pedro levantou causando gargalhadas em todos na sala, ate mesmo eu não consegui segurar o riso.

- Muito bem, alguém mais deseja mostrar o que sabe?_ todos bateram palmas, Pedro fez uma reverencia de agradecimento antes de sentar. - Muito bem turma, gostaria que prestassem atenção agora no próximo poema._ peguei algumas folhas e distribuir para os alunos que logo que leram o titulo começaram a falar e sorrir animados.

- Lis, isso não é um poema._ Bruna falou um pouco contrariada.

- E porque não seria um poema? Ou Poesia? Vejo estrutura, vejo rima, vejo conceito._ argumentei sorrindo, alguns alunos observavam tudo com curiosidade.

- Tudo bem, vamos dizer que isso é "poesia". _ Bruna fez aspas com a mão e eu sorri. - Não acha estranho ensinar nas escolas? E apologia? Sei lá.

- Isso não é apologia, pensa um pouco, isso aqui é a realidade que vocês vivem todos os dias.

- Na verdade Bruna, se prestar atenção na letra vai perceber que esta mais para critica social do que realmente para apologia._ Julio comentou um pouco baixo, todos fizeram silencio e começaram a ler a letra curiosos.

- Exatamente, a musica em si, trás uma consciência social e realista das nossas comunidades. Seu conceito foi marginalizado por falar mal daqueles que se encontram no poder ou simplesmente por defender a "escoria" social._ falei escrevendo algumas palavras no quadro, os alunos prestavam atenção em um silencio incomodo.

- Lis, quer dizer que qualquer musica é considerado um poema?_ Rodrigo levantou a mão.

- Depende, acho que o conceito de poesia e poema vai alem das rimas e estruturas, acho que algo que te faz pensar, mas sim, se tiver o conceito estrutural uma musica pode se tornar um poema._ sentei na mesa e peguei a folha com a letra da musica. - Alguém quer ler?_ no mesmo instante cinco alunos levantaram a mão.

- Eu posso?_ Diego perguntou, todos olharam para ele no mesmo instante. Diego era calado e solitário, seu pai estava preso e sua mãe era viciada em crack, ele cuidava de três irmãos mais novos, no funco sabia que cedo ou tarde ele sairia da escola.

- Claro._ sorri amigavelmente para ele dando meu apoio.

- "... Negro drama

Eu sei quem trama
E quem 'tá comigo
O trauma que eu carrego
Pra não ser mais um preto fodidoO drama da cadeia e favela
Túmulo, sangue
Sirene, choros e vela..." _ Diego leu a musica com a atenção de todos os alunos, ao final alguns seguravam para não chorar, era incrível o que a realidade da letra causava em alguns.

- Bem, obrigada Diego, foi muito bom._ respirei fundo para não chorar, todos o aplaudiram, ele sentou em seu canto um pouco envergonhado. - Para a próxima aula quero que tragam musicas com referencias sociais, podem ser de artistas ou originais, escritas por vocês._ mal havia terminado de falar o sinal tocou, alguns alunos levantaram para ajudar com o material, eles sempre faziam isso.

- Sabe professora, você me ensinou a gostar de português. Eu quero muito fazer letras quando formar._ olhei para Carla, uma das minhas melhores alunas com orgulho, no fundo sabia que tudo aquilo valia a pena por eles.

- Sabe Lis, ainda não entendo como você consegue conciliar tudo isso? Escola, marido, e todo o resto, tem dias que eu quase não consigo sair da cama e olha que só preciso me preocupar com trabalho._ Isabela tagarelava enquanto corríamos, pensei em tudo o que ela estava falando e senti um nevoa tomar conta da minha mente, era como se algo me sufocasse, parei de repente colocando a mão no joelho para ganhar equilíbrio, Isabela parou um pouco mais a frente, voltando preocupada. - Lis o que foi?_ levantei a cabeça e Isabela percebeu que eu estava chorando.

- É tudo mentira, tudo mentira, eu não estou mais casada, eu não tenho a vida perfeita, estou a beira de um colapso._ Isabela passou os braços pelo meu ombro, sem dizer nada apenas permitiu que eu chorasse, sentamos em um canto e eu tomei água, o sangue começava a esfriar e a mente voltar ao normal.

- Porque não me contou antes Lis?_ Isabela segurava minha mão de forma compreensiva.

- Eu não queria criticas, eu só precisa de um tempo. Eu que deixei o Sergio, não conseguia mais competir com os sonhos dele, fiz o melhor por mim, mas ainda dói pensar que tudo o que sonhei foi por água a baixo.

- Amiga, sabe que pode contar comigo né? Eu jamais criticaria você, na verdade eu entendo e respeito você ainda mais por essa decisão._ olhei para ela agradecendo, no fundo Isabela era uma excelente amiga.

- Ainda não contei pra ninguém, preciso atualizar as redes sociais, mas preciso de tempo.

- Acho que você precisa é de uma boa noite de diversão, que tal sexta?

- Não sei... Será que é uma boa ideia?_ bebi mais um pouco de água em duvida, Isabela era do tipo maluca as vezes.

- Prometo não fazer nada maluco._ ela cruzou as mãos e olhou para mim sorrindo.

- Tudo bem, sexta então._ Isabela comemorou, suspirando e agora decidida voltamos a correr.

A lei do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora