ℭ𝔥𝔞𝔭𝔱𝔢𝔯 1

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O som irritante do alarme me tirou de forma brusca de mais um dos meus incontáveis sonhos, que ultimamente pareciam ter dobrado de recorrência. Desliguei o aparelho de forma agressiva, me levantando logo em seguida com meu usuário péssimo humor matinal. Realmente não conseguia acreditar que existiam pessoas que acordam cedo de manhã por pura vontade e gosto, parecia algo surreal, possivelmente algum tipo de doença.

Ainda de forma preguiçosa e bocejando, segui em direção a cozinha, para o único bom motivo de acordar aquela hora da manhã. Meus pais poderiam ser os mais estranhos e parcialmente presentes, porém se tinha algo que nenhum dos dois abria mão, era de nosso delicioso e farto café da manhã em família, todo santo dia. Era a maior, e única, tradição que a família Maximel tinha e exigia.

Chegando na pequena cozinha de nosso razoável apartamento, me sento no meu usuário banco, sendo recebida por um prato de torradas e a imensa xícara de café fumegante, que logo trato de recolher para aquecer minhas mãos geladas do frio inverno nova iorquino.

— Qual foi o milagre que te tirou da cama antes do terceiro alarme disparar, Aurora?! — disse minha mãe de forma sarcástica, com um meio sorriso e o jornal matinal em mãos.

Sorri de forma preguiçosa para ela e dei uma risada nasalada, sendo recebida logo em seguida por um beijo em minha têmpora deixado por meu pai, já em seu terno e pronto para mais um dia em seu exaustivo trabalho em uma empresa de administração qualquer.

— Bom dia fadinha. Dormiu bem?! — disse roubando uma de minhas torradas e deixando sua pasta em cima do balcão e automaticamente recebendo um olhar reprovador de minha mãe, que o fez realocar a pasta no chão da cozinha.

Respondi um simples e ainda sonolento 'sim', para o homem que me olhava ainda na espera de uma resposta. Mesmo com os traços da idade chagando para ambos, eu achava meus pais extremamente bonitos. Minha mãe, mesmo com as rugas que apareciam por seu rosto, era uma das mulheres mais bonitas que conhecia, com aqueles cabelos ruivos que eu daria minha vida para ter. E meu pai, que mesmo com sua cara de durão e que comprovava sua antiga fama de bad boy, nos tratava como a rainha da Inglaterra, e não tinha nenhum problema em revelar todo seu amor e carinho para, como o mesmo dizia, os amores de sua vida todinha.

Terminei meu café e segui em direção ao meu quarto, ouvindo os reclames de minha mãe, dizendo que deveria comer mais e que me alimentando desta forma não conseguiria me sustentar o resto do dia, conselhos esses que, como todos os dias, escolhi abertamente ignorar, as vezes simplesmente odiava o fato de sua mãe ser uma nutricionista, por que Deus, ela não poderia ser, sei lá, analista de sistema ou qualquer outra coisa que não a envolveria em meus, terríveis diga-se de passagem, hábitos alimentares.

Chegando em meu quarto, coloquei a primeira roupa que vi dentro do armário, e me direcionando para o banheiro, onde terminei de me arrumar para o pequeno inferno que chamo de escola e que dou graças que acabarei em menos de seis meses. Saio do banheiro e, enfio de forma nem um pouco preocupada meus materiais dentro da mochila decorada, calcando, logo em seguida meus tênis, também desenhados. Me dirigindo logo em seguida para a saída do quarto colorido e com as paredes cobertas por folhas de papel e pinturas que as cobriam do chão ao teto.

Já na porta de casa, me agasalhando o máximo que conseguia, gritei uma despedida qualquer para meus pais que terminavam de se preparar para o trabalho, e segui para fora do quente e acolhedor apartamento. Desço as escadas correndo e desembolando o fone de ouvido, inserindo eles em minhas orelhas logo e seguida. Sou agraciada pela música que, para minha sorte se inicia no mesmo momento em que saio do prédio, amava morar em Nova Iorque, mas os sons da cidade realmente não eram meus favoritos, principalmente para serem ouvidos às sete e meia da manhã.

Andava de forma tranquila e despreocupada em direção a estação do metrô, sentindo o frio congelante batendo em meu rosto claro e deixando minhas bochechas mais vermelhas e o vapor saindo por minhas narinas que já reclamavam por conta da temperatura. Desci as escadas da estação, sendo abraçada pelas milhares de pessoas que iniciavam mais um dia de suas vidas.

Apreciava a música que estourava em meus ouvidos enquanto aguardava calmamente o metrô, que em poucos minutos parava para que o mar de gente entrasse e ficasse razoavelmente apertado no espaço metálico. Observava as pessoas ali dentro, os vários estagiários que checavam as horas a cada minuto calculando para saberem se conseguirão levar o café de sus chefes a tempo ou se levariam um grande sermão, os alunos, que assim como eu, realmente ligavam mais para o sono e seus fones de ouvido do que para as aulas em si. Gostava de observar o cotidiano das pessoas, e criar histórias para elas, seus nomes, trabalho, se tinham filhos, eram casados. Eu considerava as manhãs bem mais interessantes fazendo aquilo todos os dias e pensando se acertaria alguma coisa ou se veria a pessoa novamente.

Minha estação logo chegou e, junto com várias pessoas desci e me direcionei para a escola, chequei o horário e agradeci por não ter que sair correndo para chegar na primeira aula, como era o usual. Talvez acordar um pouco mais cedo tivesse alguma vantagem no final das contas.

Depois de uma breve caminhada, avisto os portões metálicos da Academia Vanshoff, junto com seus alunos que esperavam nos diversos bancos e mesas do pátio, o grande e antigo prédio principal abrir, para finalmente entrarmos para mais um dia de aulas tediosas e que me fariam dormir em menos de cinco minutos. Passei pelos portões de ferro, correndo meus olhos pelas mesas, a procura da única pessoas que realmente me importava no espaço. Encontrei Suzana sentada em uma das mesas de pedra, lendo, pela incontável vez, seu exemplar já gasto de 'Orgulho e Preconceito'.

Suzana Smith era minha melhor amiga desde que me conheço por gente, nos conhecemos no jardim de infância quando eu a empurrei do balanço e quebrei seu braço, desde então viramos inseparáveis. Ela era a pessoa mais fofa que conhecia, sua descendência coreana era fortemente presente, com seus olhos puxadinhos e cabelo escorrido, que ela odiava mais do que tudo na vida, a deixavam com um ar de criança fofa.

Me aproximei dela que só se deu conta de que eu havia sentado na mesa quando abaixei seu livro, interrompendo sua leitura.

— Ah! Bom dia Docinho. Como você está? Dormiu bem? — Ela disse de forma sarcástica e com um sorriso nos lábios por conta do apelido 'carinhosos' que havia me dado, em homenagem a personagem que, de acordo com ela, me descrevia como ninguém, Docinho de 'As Meninas superpoderosas' era simplesmente a descrição de minha personalidade usual.

— Bom dia, nossa você já percebeu como o dia está lindo e brilhante hoje?!- falei forçando um sorriso e uma feição animada, o que fez a menina sorrir e seus olhos se transformassem quase invisíveis— Mas falando sério. De novo? — Falei levantando o livro— Você tem uma biblioteca em casa, deve ter mais de cinquenta livros que não leu ainda. Por que não lê alguma coisa nova para variar?

Ela revirou os olhos e olhou para o céu como se perguntasse o que havia feito para merecer ouvir minhas palavras aquela hora da manhã. Respirou fundo quando me respondeu:

— Você sabe que nunca vou me cansar desse livro. E não estava com vontade de ler nenhum outro. — Falou pegando o livro de minhas mãos e abraçando o mesmo- Mas deixando meus bebês fora disso. O que aconteceu para você estar aqui a essa hora? Sua mãe finalmente jogou água em você? — ela perguntou de forma divertida enquanto levantava uma de suas sobrancelhas.

— Não, nós duas sabemos que ela nunca vai fazer isso. Eu tive mais um sonho estranho. — Falei enquanto brincava com uma linha solta em meu moletom. — Esse foi diferente, sei lá, tinham umas pessoas me chamando e correndo, uma loucura, mas... Parecia tão real- falei mais pra mim do que para Suzana, que até me assustei quando ela respondeu.

— Ainda está tendo esses sonhos? Já vai fazer um ano, deveria ter parado, não?! — Ela falou com o cenho franzido.

Nem tive chance de respondê-la, pois quando abri a boca, o sinal anunciando a abertura do prédio ressoou por todo o pátio, fazendo todos ali presentes se levantarem e se dirigirem para lá, com mais vontade de se abrigar do frio, do que de iniciarem as aulas.

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