𝕮𝖍𝖆𝖕𝖙𝖊𝖗 4

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Minha cabeça girava com a descrença, por que diabos ela tinha ficado tão irritada? Tudo bem que eu estava de detenção, mas esse não é o fim do mundo. Talvez a Universidade nem ligue para essa pequena falha no meu histórico. Não que ela se importasse com isso, depois de ouvir a fatídica frase ' Quero fazer artes', foi como se o fator Universidade não existisse mais nessa casa. Dou um grunhido leve de frustração tentando encontrar alguma música que me acalme, ou simplesmente me faça esquecer o ocorrido na sala.

A luminária acesa da escrivaninha me chama e eu me levanto da cama, já pensando no desenho que farei. Pela primeira vez em alguns meses, eu simplesmente deixo que o lápis leve minha mão através da folha grossa. Desenhar sempre foi meu maior refúgio, quando eu não queria falar sobre meus problemas com Suzie ou meus pais, era o desenho que me acolhia, sempre de braços abertos para que pudesse, simplesmente despejar tudo de uma vez na folha de papel ou no quadro.

Eu e minha mãe quase nunca brigávamos, mas quando acontecia, meu pai fazia a sutil comparação a guerra fria, nunca existia um conflito direto, mas o silêncio e a tentativa de ganhar uma da outra estava sempre presente, na tentativa de ver qual das duas seria aquela que não aguentaria aquela greve de palavras e interação dentro de casa. Diferente das outras vezes, eu definitivamente não vou ser a primeira a falar.

O lápis corria de forma quase incontrolável pela folha, eu sentia minha mão ficando cada vez mais suja do grafite. E quando não era mais o lápis, eram as canetas, a ponta pincel borrava o papel, deixando um ar sombrio para o desenho que eu ainda não tinha a mínima ideia do que era. Deixei todas as frustrações na folha, libertando tudo de uma vez.

A playlist acabou e eu finalmente acordei, o cheiro leve de álcool que saia das canetas estava empesteando o quarto, a mesa estava lotada de canetas de todos os tipos e cores, minhas mãos pareciam uma completa zona de guerra de tão sujas e coloridas que estavam. Suspirei pesado arrumando toda a bagunça. Nem quando uso tinta esse lugar fica tão acabado. Quando acabei de colocar todo o material em seus lugares parei para, finalmente, admirar o desenho. Estava divino, os traços grossos e finos se completavam de forma perfeita, a profundidade dava um ar quase de como aquilo fosse uma foto, e não um desenho. Eu admito que sou muito boa, as nem tanto, não o suficiente para fazer isso, com certeza devo brigar com a minha mãe mais vezes se todas elas me fizeram desenhar desse jeito.

— Querida? — ouço uma voz suave me chamando atrás da porta- Posso entrar?

Suspiro de leve e abro a porta para o homem grisalho que me encarava com olhos gentis.

— Sua mãe me disse que vocês brigaram... — ele disse relutante— E que você se trancou no quarto desde então.

— É claro que eu me tranquei, não quis continuar na sala e obrigar que ela visse a decepção que ela criou o resto do dia— disse de forma sarcástica e quase rindo — Acredite, ela foi bem enfática nesse aspecto.

— Você sabe que ela não queria ter dito isso— ele disse tentando tirar a parcela de culpa de sua esposa— E você sabe que não deveria ter ficado de detenção— ele diz com um tom de repreensão e se senta na cama— Ela tem razão de ter ficado irritada com você.

— Não pai, ela não tem. — Eu digo de forma dura— Eu sempre faço tudo direito, tudo. Só cheguei em casa bêbada uma vez, e eu tenho 17 anos, nunca usei drogas, eu já tenho carta da aprovação de três Universidades muito boas, e duas delas com bolsas de estudo muito boas. E eu perco o foco durante cinco minutos, em uma aula, e pego a minha primeira detenção em quatro anos, e eu simplesmente viro um monstro?! Eu acho que não! — digo já em pé e andando pelo quarto— E tem mais, ela ainda se sente no direito de reclamar de qualquer coisa da minha vida sendo que ela não fez e nem faz nada para mim. Vocês só trabalham e fingem que se importam de verdade— ele me olha como se eu tivesse acabado de arrancar seu coração do peito e destruído, bem na sua frente.

— Aurora, nós te amamos, não é porque não podemos estar aqui o tempo todo, que significa que não ligamos para você ou algo do tipo.

— Eu sei que vocês me amam. Eu amo vocês, mas não significa que vocês não passam a maior parte do tempo trabalhando, e quando não estão fazendo isso, estão fazendo alguma outra coisa que nunca inclui os três. Eu sei que vocês ainda tinham muito o que viver e fazer quando mamãe ficou grávida, e que tentam fazer essas coisas agora, eu realmente entendo, mas isso meio que tira um pouco do direito de vocês simplesmente decidirem se importar ou fazer alguma coisa como me colocar de castigo, por qualquer motivo que seja, até mesmo um sermão.

— Filha... — ele fica sem palavras e eu já compreendo tudo, ele não sabe o que dizer porque realmente não tem.

— Pai, você pode por favor sair, eu ainda tenho que arrumar as coisas para amanhã— falo abrindo a porta para ele.

Meu pai suspira e sai, não dou tempo dele falar mais nada, e fecho a porta assim que ele sai. 

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