Eros e Psique-Cap VI

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- Como?! Psique irá receber-nos em seu palácio? - pergunta a rainha surpresa

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- Como?! Psique irá receber-nos em seu palácio? - pergunta a rainha surpresa.
- Pelos deuses! Então nossa filha está bem? Está viva?! - vibra o rei, uma vez que acreditava piamente que Psique estaria morta àquela altura, vítima do monstro que desposara.
- É claro que a jovem está viva! - retruca o amigo de Eros indignado. - O que pensaram afinal? O senhor de vossa filha é um ser de muito bom coração, fiquem sabendo! - defende-lhe o Vento-Oeste. - Ele é... - Zéfiro cala-se. Quase falara demais.
- Mas não foi isso que o oráculo dos deuses disse-nos. Em Delfos, soubemos que ele seria um monstro terrível que... - teima o soberano.
- Ora! O meu recado está dado! Não posso perder mais tempo, preciso convidar as vossas outras filhas! Estejam preparados, dentro de alguns dias, sobre a Montanha dos Ventos pois voltarei para buscar-vos - corta Zéfiro, extremamente irritado, para que o assunto não se estendesse muito.
E assim fez o Vento-oeste, tal como lhe pedira seu amigo alado. Buscou as irmãs de Psique e os reis de Mileto e conduziu-os ao templo, onde a moça morava. Ela os recebe com grande alegria:
- Papai! Mamãe! Minhas irmãs queridas!
A rainha corre ao encontro da filha mais nova e a envolve num abraço carregado de saudade. Os olhos de ambas libertaram as lágrimas que desejavam há muito cair, por tanto tempo afastadas.
- Oh... deixai-me vê-la! Estás linda, minha filha! - coruja sua mãe.
De fato, Psique que já era bela, estava mais linda ainda; e as joias e o ouro que ornamentavam seu corpo contribuíam para ressaltar-lhe a beleza ainda mais. A pele corada e os lábios carmesim denunciavam que ela era muito feliz no casamento, como se o amor a tivesse feito desabrochar como uma suave flor. Tais aspectos de plenitude e de muita ventura não passaram despercebidos aos olhos de suas irmãs.
O rei olhava admirado para o opulento palácio.
- Este palácio é mais rico do que o meu!
- Isto não é um palácio, meu pai. É um templo - explica-lhe a filha.
- Um templo?! - disseram todos juntos.
"Para isto ser um templo... então o marido de Psique é..." - desconfia uma de suas irmãs, sentindo uma certa inveja da sorte da caçula, no que Afrodite aproveita para colocar, mais uma vez, o seu dedo na história. Através do seu espelho, invade a mente de Orítia:
- Isso mesmo, princesa Orítia... Vossa irmã mais nova tem mais sorte do que ambas... - sussurrava a deusa, aumentando-lhe o torpe sentimento que se apossara dela. - Vós desposastes maridos mortais, mas ela, desposou um deus poderoso e belo!
A princesa mais velha começa a sentir claramente, em seu coração, aquela voz feminina que incitava mais ainda a sua cobiça e fala com a outra:
- O quê?! Um deus? Psique desposou um deus? - admira-se Eugeria.
- Shhhhh! Fala baixo.
- Não pode ser! Deve haver algum engano! O oráculo disse que ele seria um monstro!
- Mas não é. Todos nós fomos enganados.
- Daí se explica tanta felicidade. Ela já deve saber disso - observa Eugeria. - E todos nós preocupados com ela...
- Será que ela sabe? - duvida a mais velha.
- Ei! Irmãs! Não fiquem aí paradas! Venham aproveitar o que vossa irmã tem para vos oferecer! - chama-lhes Psique alegremente e começa a puxá-las para dentro.
E a ganância tornara-se mais forte quando as duas moças veem toda a mágica do lugar e as câmaras cheias de riquezas que reluziam ao menor reflexo do Sol. Em uma delas, Psique leva-os para mostrar-lhes tudo e oferecer-lhes alguns como presentes.
- Podem pegar o que quiserem! Meu marido diz que tudo isto é meu, logo, posso dispor-me deles como desejar e quero dividi-los convosco, meus queridos!
Os parentes aceitaram as dádivas tão prontamente oferecidas. Sua mãe escolheu uma magnífica coroa de ouro ornamentada de rubis e um conjunto de colar e brincos para combinar com a mesma; seu pai encantou-se por uma espada em formato de meia lua, com empunhadura de prata e onde, em seu cabo, serpenteava a figura de uma víbora crivada de esmeraldas; Eugeria escolheu um belo medalhão e braceletes de ouro com relevos florais e Orítia, um belíssimo anel de ouro com uma reluzente safira e pulseiras douradas e prateadas carregadas de muitas gemas preciosas. Escolhidos os presentes, Psique os conduz até o local onde um farto almoço, aos seus parentes, seria oferecido.
- Pelos deuses! O que é isso?! - assusta-se Eugeria percebendo que alguém, ou alguma coisa, arrumava a mesa para o banquete em família.
Psique bate palmas e logo, as mesmas vozes que a arrumaram para sua primeira noite vieram atendê-la.
- O que desejais, soberana nossa? - diz uma delas em tom sorridente.
- Creio que minha família esteja cansada da viagem e por isso, desejam refrescar-se. Preparem banhos relaxantes para todos; quero que se sintam em casa.
- Perfeitamente... - diz-lhe a voz.
- Por Zeus! Ainda não estou acreditando! O que são estas vozes? Fantasmas?! - assusta-se o rei.
- E vejam com que diligência arrumam o almoço?! - fala também sua mãe.
- Não! Não são fantasmas! São meus servos e também meus amigos. Eles me fazem companhia durante o dia, até que a noite chegue.
- E o teu marido, querida irmã? Quero conhecê-lo! Onde ele está? - pergunta a irmã mais velha.
- Meu senhor só chega junto com a noite - responde-lhe Psique de modo inocente.
- Estás nos dizendo que só o vês à noite? - retruca-lhe.
- Sim. Por que o espanto?
Todos se entreolharam surpresos. As vozes voltaram:
- Está tudo pronto, minha senhora. Vossos parentes já podem se lavar.
- Ótimo! Fiquem à vontade e lavem-se, enquanto termino de dar as ordens para ser servido o banquete.
Psique amou estar com os seus outra vez. Cobriu seus pais e irmãs de beijos e outros mimos. Durante o almoço, conversavam alegremente sobre ela e aquele lugar encantado e maravilhoso.
- Mãezinha, experimente este cordeiro; está divino e saboroso!
Sua mãe ri quando vê a carne flutuar até seu prato, servida por um dos servos.
- Minha filha... estou tão feliz por ti! - comenta a rainha de forma carinhosa.
- Vejo que vosso marido é muito bom para ti, querida Psique - atesta o rei admirado, mastigando um pedaço de carne.
- Sim, querido pai. Meu senhor é adorável!
- É de admirar! Como pode um monstro ser tão adorável assim? - fala sua irmã mais velha, desejando saber mais sobre o casal.
- Ele não é um monstro, Orítia! Não o chames desta maneira - defende-lhe Psique.
- Ora! Então já viste o rosto dele, suponho! Como ele é? - insiste ela.
- Bem... eu não sei... - responde-lhe Psique de modo evasivo e tenta mudar de assunto. - As sobremesas estão ainda melhores...
- Como não sabe? - indaga sua outra irmã, entrando no jogo que a mais velha começara.
- Eu não sei, Eugeria! Ele jamais me deixou ver seu rosto! Meu senhor vem ter comigo à noite, quando a escuridão o favorece...
- Pelos deuses! Isto é muito grave! - comenta a mais velha.
- Por quê?! - admira-se Psique.
- Como pode se deitar com alguém sem saber como ele é? - diz ela, erguendo-se da mesa.
- Não entendo esta preocupação tola...
- Não entende?! Ora por Zeus, Psique! Está claro!
Os reis ficaram pálidos.
- Ele realmente deve ser um monstro terrível.
Com a afirmação de Orítia, a mão de Psique treme e solta a taça que levava aos lábios, derramando o vinho sobre a mesa e manchando a alva toalha, bordada com temas pastorais.
- Cala-te, Orítia! - ordena o rei. - Não assuste tua irmã assim!
- Ah, não! Não me calarei, meu pai! Se não te importas com tua filha, eu me importo com minha irmãzinha! - diz ela demonstrando falsa preocupação.
- Orítia tem razão - fala a outra atiçando a chama da fogueira.
No mundo dos imortais, Afrodite acompanhava tudo e ria da situação que ela mesma criara:
- Isto está cada vez mais divertido! - vibrava a deusa, aplaudindo o próprio feito. - Oh, sim... continue, querida Orítia! Deixai-a com bastante medo! Oh, Satisfação! Em breve meu filho voltará para mim; tornará a servir-me com dedicação e presteza como antes, e esquecerá essa mortal indigna de uma vez por todas. Caríssima jovem... tua felicidade está com os dias contatos!
Sua irmã mais velha aproxima-se bem de seus olhos e encara-a; Psique começa a tremer.
- Lembra-te: o oráculo dos deuses revelou que tu te casarias com um monstro horrível e tremendo. E sabe o que dizem os habitantes próximos deste vale? Eles dizem que teu marido é um ser metade homem e metade serpente que te nutres por enquanto, com alimentos deliciosos, a fim de devorar-te depois - mente descaradamente. - Dizem por aí, que ele já fez isso com outras moças, antes de ti. Ele tem um poder tão grande, que consegue seduzi-las deixando-as apaixonadas, a ponto de duvidarem que seja um monstro... e, quando elas menos esperam, quando estão bem nutridas... ZÁSSS!!! Ele se alimenta delas!
Psique dá um pulo na cadeira. A sua irmã conseguiu deixá-la bem assustada. Por sua mente, imagens das mais horrendas quimeras(*) se formaram.
- Ai, não! - grita Psique.
- Como conseguiste se informar sobre isso? - quis saber o rei.
- Desde que minha irmã o desposou, eu venho me informando, meu pai - torna a mentir.
- Para com isso, Orítia! - repreende-lhe a mãe, vendo a aflição de Psique.
A irmã cala-se por alguns instantes. Já conseguira seu intento: semear a desconfiança no coração de Psique, que agora era uma estátua de pavor e inércia, sentada à mesa.
- Psique precisa se defender desta coisa abominável, mãe! Ela não pode permitir que este monstro a devore, como fez com as outras! - insiste Eugeria..
- O-o que eu faço?!! - gagueja a pobre alma aflita.
A irmã mais velha se aproxima e sussurrando em seu ouvido, para que nem os servos escutassem, traça um plano cruel:
- Disseram-me que a luz é a fraqueza dele, pois ela revela sua verdadeira aparência. Por isso ele só vem ter contigo à noite, na total escuridão - mente uma última vez, inspirada por Afrodite. - Então, querida Psique, me ouças com atenção. Ouvi meu conselho, pois te amo muito, minha irmã: Arma-te com uma faca afiada e arranjes uma lâmpada. Esconda-as de maneira que teu marido não possa achá-las e, quando ele estiver dormindo profundamente, sai do leito, traze a lâmpada e vê, com teus próprios olhos, se o que dizem é verdade ou não. Se for... oh, Zeus! Se for... não hesites em cortar-lhe a cabeça e recuperares tua liberdade! - sugere ela.

****

Psique resistiu a este conselho tanto quanto pôde, mas o medo imposto sobre ela, foi mais forte.
Quando a sua família despediu-se dela e viu-se sozinha em seu mundo cheio de encantos, começou a ter terríveis pesadelos acordada; passou a imaginar-se sendo devorada a qualquer momento e qualquer barulho que ouvia, assustava-a...
- Acho que Orítia tem razão! Eu preciso me defender!
Psique, pelo adiantado da hora, sabia que seu marido chegaria a qualquer momento e ainda bem que havia providenciado todas as coisas: a faca afiada, a lâmpada a óleo e, seguindo o que sua irmã sugeriu-lhe, escondeu-as muito bem.
O costumeiro bater de asas na alta madrugada e a silhueta de Eros logo adentra os aposentos escuros. Percebe que a sua mulher estava quieta na cama, como se dormisse. Foi uma surpresa para ele, pois ela sempre o esperava, nunca encontrou-a dormindo uma vez que fosse. Mas ao mesmo tempo que se sentira um pouco decepcionado, por outro lado, teve pena de acordá-la. Inocente e sempre confiante em sua amada nem percebera que Psique apenas fingia dormir.
- Oh, Alma Minha... - diz-lhe com suavidade e candura. - Dormiste e não me esperaste hoje? De fato, deves estar muito cansada pelas fortes emoções do dia. Não ousarei importuná-la. Durma querida alma! Vou apenas aconchegar-me ao teu lado, desfrutar de tua companhia, do calor do teu corpo e também repousar um pouco. Hoje também estou um tanto cansado.
Ela ouve suas palavras e sente-se até mal por manter aquela farsa, a ponto de uma lágrima silenciosa correr-lhe pela face. Todavia, o seu coração estava pesado, com medo e não sentia-se segura para jogar-se em seus braços, como fazia todas as noites; ignorar o perigo iminente que poderia estar a rondá-la. O seu mundo perfeito; o seu esposo tão terno; tudo isso, dentro de alguns instantes poderia ruir-se diante dos seus olhos.
Psique sente os lábios quentes do companheiro tocando-lhe a face, mas permanece imóvel. Em seguida, percebe o movimento de algo acomodando-se ao lado dela e depois, mãos a envolveram num cálido abraço. Um silêncio total abateu-se sobre os aposentos depois; apenas o suave perfume que desprendia-se da pele dele e sua respiração suave denunciava-lhe a presença. Ela esperou mais alguns minutos e quando reparou que o seu amante dormia profundamente, desvencilha-se dos seus braços com cuidado para não acordá-lo. Ele se vira na cama; Psique pensou que o tivesse despertado, mas por sorte, não passou de um susto.
Procura então a lâmpada e a faca que escondera, sem emitir o menor ruído. Sua respiração estava acelerada e seu coração parecia querer pular pela boca. Ela acende a luminária e custa a virar-se, temendo o que provavelmente veria sobre o leito.
"É agora... preciso criar coragem...", pensa. "E se for verdade o que minha irmã disse?". Psique lembrou-se das palavras de Orítia:
"Não hesites em cortar-lhe a cabeça!"

(*) Quimeras: (fig) monstros imaginários formados com a junção de diversos animais, cujas partes são totalmente incongruentes.

****

Eita, minha gente! Estou tão sem ar quanto ela! Que surpresa aguarda a nossa Psique na próxima semana? Qual será sua reação, ao descobrir a identidade de seu secreto esposo???

Eros e Psique por Paula DunguelOnde histórias criam vida. Descubra agora