Eros e Psique - Cap. XII

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Docilmente, Psique dirige-se ao rio pensando: “perto da primeira prova, isto será fácil...”

O rio-deus Aquelau, porém, impede-lhe a travessia mostrando-se revolto e assim, não permitir sua passagem. Uma coluna de água se levanta do leito e assume a sua forma humana diante da imprudente moça. 

— Oh, mortal duramente experimentada! Não desafies a corrente perigosa!!!!!!

Psique solta um grito e prostra-se assustada.

— Oh, por favor, deus do rio! Eu preciso agradar minha senhora, para que ela me devolva o meu amor! Não impeças minha passagem!

— Também peço-vos que não vos aventureis entre os formidáveis carneiros da outra margem, pois se trata de uma armadilha de Afrodite.

— O-Outra armadilha? — gagueja a jovem. — São apenas uns dóceis carneiros...

— Não se deixe enganar pela aparente doçura deles. Eles são carnívoros e enquanto estiverem sob a influência do sol nascente, são dominados por uma raiva cruel, de destruir os mortais com seus chifres aguçados ou seus rudes dentes!

— O QUÊ?! Pelos deuses! ELA QUER ME MATAR!!! — espanta-se Psique tremendo e sentindo faltar-lhe as forças das pernas, com o inesperado aviso.

— Sim, Psique. Este é o intento de Afrodite. Quando, porém, o sol do meio-dia tiver levado o rebanho para a sombra, e o meu espírito e o meu cantar sereno os tiver acalentado para descansar, podes atravessar entre eles sem perigo e encontrarás lã de ouro suficiente, nas moitas de arbustos e nos troncos das árvores, sem precisar tocá-los.

— Eu também irei ajudar-vos — irrompe uma voz atrás de Psique.

Ela se vira e depara-se com um ser com patas de bode e tronco de homem; uma flauta de bambus, em tamanhos variados, reluzindo em sua mão. Psique não consegue acreditar e sorri.

— Vou tocar para fazê-los dormir mais rápido. — O deus pisca o olho para a jovem.

— Oh! Obrigada deus Pã! 

— Não precisa me agradecer, bela dama! A menos que queira… — brinca com olhar malicioso e um certo tom de sedução na voz, fazendo Psique corar.  Depois, solta uma gargalhada sonora. — Estou brincando, menina!  Faço, porque gosto de ajudar os amigos.  

A moça respira aliviada, pois conhecia um pouco da sua fama por conhecer infinitas lendas a seu respeito.

Assim, o bondoso rio-deus ensinou-lhe o que deveria fazer para executar sua tarefa com segurança e Pã atravessou o rio tocando sua melodiosa flauta, seguido de Psique. 

Logo, todos os carneiros se espreguiçaram e acomodaram-se para dormir enquanto o correr das águas de Aquelau e o som doce da flauta  pã atingiam-lhe os ouvidos. O deus dos rebanhos fez um gesto de sua cabeça à moça, enquanto soprava o instrumento. Entendendo a mensagem, a jovem age de imediato. 

****

Então – obedecendo aquelas instruções dadas pelos dois deuses –, Psique volta para junto da deusa com os braços cheios de lã de ouro e sorrindo vitoriosa. 

Afrodite fica ainda mais surpresa, pois já a julgava morta.

— Aqui está a lã que me pediste, senhora.

— Como? Como conseguiste?!! — fala a deusa incrédula.

— Posso ver Eros agora?

Afrodite encara a jovem com um ar de superioridade e foi implacável ao responder-lhe a pergunta:

— De modo algum! Não o verás tão cedo, não ainda!

— Mas... eu cumpri a prova, contudo, parece que minha senhora não quer cumprir com sua palavra… — enfrenta-a indignada.

— Como ousas, mortal?!! 

Afrodite ergue a mão ameaçadora, pronta para esbofetear-lhe a face; Psique encolhe-se diante da intempérie da deusa e pede-lhe perdão pelo que disse. Afrodite sente-se a toda-poderosa diante da fragilidade da jovem e a humilha com palavras infames e severas:

— Sei muito bem que não foi por teu próprio esforço que foste bem sucedida na prova, e ainda não estou convencida de que tenhas capacidade para executares sozinha uma tarefa útil. Não permitirei que te aproximes do meu filho — a deusa faz uma pausa e, estendendo suas mãos, faz surgir do nada uma caixa sobre elas. — Toma esta caixa e vai às sombras infernais e entrega-a à Perséfone, dizendo: “ minha senhora Afrodite quer que lhe mandes um pouco de vossa beleza, pois, tratando de seu filho enfermo há tanto tempo, ela perdeu alguma da sua própria...”. Não demores a executar o encargo, pois preciso disso para aparecer na reunião dos deuses do Olimpo, que Zeus convocou para esta noite.

— O quê?!! Queres que eu vá às regiões infernais? Mas eu não posso! Só os mortos que...

— É mesmo?! Oh, eu não sabia! Bom... se não tem outro jeito para chegar lá: MATE-SE! — desafia-lhe. 

Psique olha-a incrédula e aflita. A deusa, inabalável, continua com a sentença implacável:

— Proves, de fato, teu amor por meu filho; renuncies à própria vida e acreditarei nos teus sentimentos para com ele. Se cumprires sem temor esta prova, talvez peça a Hades que devolva sua alma e posso cogitar finalmente em abençoá-los. Será a sua última pena. Aceitas ou não? — acrescenta com certa frieza na voz.

Psique, recobrando a coragem, pega a caixa das mãos da deusa e sai. Afrodite sorri triunfante. Agora seria definitivo, a tola mortal desconhecia qualquer outro caminho a seguir, senão pelas vias da morte.

— Que maravilha! Vou livrar-me desta vil criatura para sempre!

Psique fica certa de que sua perda era agora definitiva. Obrigada a ir com seus próprios pés diretamente ao Érebo, nunca mais veria o seu amor, pois nenhum ser humano voltava do reino dos mortos. Somente os deuses e semideuses iam e vinham de lá, sem sofrer qualquer fatalidade. 

Uma nuvem de lágrimas turbarva-lhe a visão. Empreendera uma grande viagem até Chipre. Pediu esmolas,  humilhou-se para conquistar a caridade alheia, passou fome, frio, sede; viajou clandestina temendo ser descoberta e jogada ao mar, ou coisa pior, e para quê? Para nada. Todo o esforço para recuperar seu amor perdido foi em vão.

Assim, para não adiar o inevitável, dirige-se ao alto do templo, que tinha uma altura intimidadora e de lá, iria precipitar-se de maneira a tornar mais curta a descida para as sombras. 

— A fúria de Afrodite é implacável e não posso mais suportar isso. Sei também, que ela nunca irá pedir a Hades pela minha alma por odiar-me tanto…

Psique começa a chorar ainda mais e depois, infla seu peito e brada: 

— ADEUS, MEU QUERIDO AMOR! TU ME ENSINASTE A AMAR E PELA PRIMEIRA VEZ  ME SENTI AMADA! GUARDAREI COMIGO ESTAS DOCES LEMBRANÇAS, POIS ISTO, A CRUEL MORTE NÃO PODERÁ APAGAR! 

Ela dá um passo à frente, olha para baixo e pensa com certa esperança:

"Talvez os deuses do inferno tenham mais piedade desta alma aflita e não me punam, fazendo-me voltar ao meu corpo... Oh, senhores do Érebo! Entrego-me a vossa vontade…"

****

E agora? Será este o único caminho para Psique? Os deuses do inferno de fato se apiedarão de tanto sofrimento?
Essas respostas serão dadas na próxima semana. Confiram.

Eros e Psique por Paula DunguelOnde histórias criam vida. Descubra agora