Ele desperta soltando um grito, acometido por um pesadelo horrível. "Bem provável ser um aviso de Ícelo. Algo muito ruim estava prestes a acontecer...".
O deus fica confuso, tentando compreender aquela mensagem. No sonho, algo como a fusão de vários animais peçonhentos, saltava de uma urna e perseguia sua amada. Psique corria desesperada tentando escapar e gritava por ele.
Arrancando o curativo do ombro, Eros abre suas alvas e brilhantes asas e parte à procura da esposa. O coração apertado no peito. Quando a encontra, Psique não expressava o menor movimento, parecia um cadáver abandonado, lançado à própria sorte. O infernal sono eterno havia se libertado da prisão na qual se encerrava e apossando-se dela, fez com que a incauta jovem caísse, fulminada, no meio do caminho.
Eros se desespera e voa em sua direção; no seu íntimo, pedia aos seus iguais para que houvesse chegado a tempo e a toma nos braços; percebe-lhe a palidez mortal, mas havia tempo de salvá-la porque a maldição estava recente, pois seu corpo ainda estava quente; Tânatos não chegou para buscá-la; não ainda, e no que dependesse dele, jamais chegaria.
O deus do amor toma-lhe então os lábios inertes e aspira a energia maldita de seu corpo, soprando-a novamente dentro da caixa. Para sua alegria, o rubor retorna-lhe às faces e ela volta a respirar.
— Eu consegui! Ah, Ícelo! Obrigado…
Eros a abraça, embalando-a em seus braços por uns instantes, aspirando o perfume dos seus cabelos. Leva depois seu rosto próximo ao dela e põe-se a chamá-la. Psique ouve um distante “Alma minha, por favor, acorde. Acorde!” e abre lentamente seus olhos; pisca três vezes e franze a testa, virando-se para encará-lo.
Lágrimas brotam-lhe no mesmo instante e abre um gracioso sorriso ao ver seu amado diante de si. Toca-lhe a adorada face para certificar-se de que não era um sonho.
— Oh, Eros! Meu amor… finalmente te reencontrei...
— Ah, sua tola! Quase morreste devido à mesma curiosidade. Que seria de mim se não pudesse salvar-te mais? — repreende-lhe também às lágrimas, por tamanha insensatez.
Eros a abraça de novo, aperta-a ainda mais forte de encontro ao seu corpo e tomado de intensa emoção, cola seus lábios ao dela, deixando as repreensões de lado por breves momentos. Psique agarra-se a ele e entrega-se ao seu saudoso beijo. Que felicidade para aquela desventurada esposa, poder novamente provar o bálsamo abençoado de seus lábios!
— Eu só queria ficar mais bonita para ti, meu senhor... — tenta se justificar.
Eros leva a ponta dos seus dedos à boca da sua mulher para silenciá-la e acrescenta:
— Para mim tu és linda da maneira que és, minha amada! Não precisas da beleza das deusas para impressionar-me!
Psique agarra-se a ele e o casal, explodindo de saudades e os corações acelerados, cobrem-se de afagos e trocam mais beijos apaixonados. Num dado momento ela para e observa a queimadura em seu ombro, que agora, transformara-se numa clara cicatriz. Seria sua marca eterna no corpo do seu deus e pede-lhe tantas desculpas, que Eros teve que beijar-lhe outra vez para que se calasse.
— Agora — diz o deus por fim. — Tome a caixa e executa exatamente a tarefa que lhe foi imposta por minha mãe que eu cuidarei do resto.
Eros parte rápido como um relâmpago e penetra nos céus, sumindo das vistas da mulher e Psique faz conforme ele ordenara; leva a caixa para Afrodite.
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Antes da reunião, o deus do amor apresenta-se diante de Zeus com sua súplica e o deus supremo do Olimpo ouve-o atentamente. Uma parte daquela história, Zéfiro já havia lhe adiantado.
— Então a tua mãe impôs três tarefas à Psique, para assegurá-los de que lhes abençoaria a união? Tarefas estas, que ela cumpriu com louvor pelo que me disse…
— Sim, grande Zeus. Embora eu admita que... ajudei um pouquinho… — confessa o rapaz, soltando um sorriso sem graça e fazendo o sinal que indicava tal travessura.
Zeus arregala os olhos cinzentos da cor de sua barba e explode em altas gargalhadas:
— Ah, Eros… Eros! Estás me saindo melhor que Hermes com estas tuas traquinagens!
— Mas o fato de Psique procurar-me dia e noite, sofrer, passar fome, frio, sede e colocar-se sob o jugo de Afrodite, provou verdadeiramente os seus sentimentos por mim. Grande Zeus! Ela quase se matou por minha causa! Só que minha mãe não quer admitir sua derrota.
— Vamos resolver isso, rapaz. Esta querela já durou tempo demais, não acha?
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Zeus, o supremo deus do Olimpo, mostra-se disposto a ajudar os amantes. O que ele fará para, de uma vez por todas, encerrar essa história? Como será o embate entre ele e Afrodite. A resposta a esta pergunta confiram na próxima segunda.

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Eros e Psique por Paula Dunguel
Romance"Ferir-se a si mesmo, pode trazer consequências inesperadas..." (Noveleta readaptada sobre a lenda mitológica Eros e Psique). Com uma narrativa dinâmica e ilustrações de próprio punho, a autora convida todos a viajarem por estas linhas, que contam...