As duas mulheres pretensiosas corriam ligeiras pela montanha; os olhos a lhes saltarem das órbitas por pura cobiça, por desejarem uma vida que não era a delas; o peito arfava, pois empreenderam uma longa e cansativa viagem até o seu destino.
— Sobe! Sobe! — falava Orítia eufórica.
— Não vejo a hora de chegar ao templo e conhecer Eros! — comemorava Eugeria. — Tomara que ele me escolha!
— Nós somos tão lindas quanto Psique; por uma de nós ele há de se apaixonar e a escolherá como sua futura esposa. Chegamos.
Elas estavam tão alucinadas por causa da ambição de serem amadas por um deus, que ignoraram a razão e atiraram-se do precipício, pensando do Vento-Oeste sustentá-las como na primeira vez que foram com os pais visitar a irmã.
Só que os ventos percorrem todos os caminhos do mundo e tomam ciência de todas as coisas, então, Zéfiro recusa-se a fazê-lo. E para punir as pérfidas e invejosas irmãs, permite que elas se encontrem com a morte no fundo do abismo.
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O silêncio do palácio foi interrompido por um grito de horror e a rainha, ao reconhecer a voz do marido, desce imediatamente à sala do trono. Ao chegar, ela vê o rei batendo em seu peito e lamentando a sorte de suas duas filhas mais velhas, que jaziam sem vida e mutiladas pela queda do despenhadeiro. A rainha não suporta a dor e grita da mesma forma, agarrando-se à ambas e amaldiçoando céus e terras, pela desgraça que abateu-se sobre eles. Saber da morte das duas irmãs também abala Psique. Ela se julga culpada por trazer a ira de Afrodite à sua família.
Achando que o melhor para todos era afastar-se; escreve uma breve carta aos pais e na calada da noite, parte sem destino, pensando numa forma de apaziguar a cólera da deusa do amor para proteger os que ama e, talvez, reaver o marido que perdera, recuperando assim, a sua bem-aventurada vida de antes.
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Correm os dias e passam-se alguns meses que, para a abandonada esposa, pareceram séculos. Psique ainda caminhava errante pelo mundo procurando pelo seu divino amor. Seus pés feridos reclamavam, não suportavam mais aquela peregrinação silenciosa que parecia sem fim. Em sua loucura, às vezes acreditava que ambos lhe falavam para desistir daquela busca inútil, que procurasse refazer sua vida com outro homem, todavia, ela recusava-se. Queria seu Eros de volta e não desistiria até encontrá-lo; só a morte acabaria com seu penar, porque enquanto vivesse, a esperança de um feliz reencontro seria seu guia.
Coberta novamente de andrajos, dormiu muitas vezes ao relento e vivia da caridade alheia, mesmo procurando manter um mínimo de integridade e dignidade.
Um certo entardecer, quando senta-se num tronco oco para observar a ferida em seus pés que reabrira-se de novo e sangrava abundante, a peregrina avista de longe um templo. Deduz pois, que talvez fosse o templo de seu amado, onde vivera os dias mais felizes da sua vida e, enfaixando sua chaga no pé esquerdo com um pedaço de sua túnica surrrada — que já há muito, não passava de trapos — , corre para lá com o coração palpitando de ansiedade.
Esquecendo da dor ao pisar sobre o chão e correndo com certa dificuldade, apenas um único pensamento martelava sua mente e a impulsionava à frente:
"Talvez tenha encontrado o templo onde morei com Eros. Pode ser que seja; em algum lugar ele deve existir...".
Contudo, ao aproximar-se mais, vê que não se tratava da mesma construção. Ele tinha outra arquitetura.
Seu coração desabou de desânimo e tristeza, mas mesmo assim, Psique resolve entrar para matar a curiosidade e percebe que era um santuário consagrado à Deméter, deusa das colheitas, uma vez que espalhados pelo chão observa muitos feixes de trigo e cevada, frutos variados e alguns ancinhos e foices e demais instrumentos de ceifa. Decerto, algum camponês devoto, ofereceu-os à deusa em agradecimento pela sua boa colheita; só que já deveria fazer muito tempo, pois tudo estava seco e os instrumentos enferrujados.
Psique incomoda-se com aquele estado lastimável de abandono e ciente que nenhum culto a qualquer deus deveria ser negligenciado, resolve arrumar o lugar. Deméter sente-se grata pela sua demonstração de devoção, ao organizar e limpar o templo e apieda-se da sorte da infeliz criatura.
Conhecedora da dor de seu coração, a deusa resolve ajudá-la e do nada, surge à frente de Psique, assustando-a:
— Não temais, minha criança! — diz-lhe a deusa de forma carinhosa.
A jovem ao reconhecê-la, prostra-se por terra em atitude de adoração.
— Oh, doce Psique! Em verdade digna de nossa piedade; embora eu não possa proteger-te contra a má-vontade de Afrodite, posso ensinar-te o melhor meio de evitar desagradá-la. Vai voluntariamente a algum templo a ela dedicado e rende-te à tua deusa e soberana. Trata de conseguir-lhe o perdão pela modéstia e submissão e talvez ela te restitua o marido que perdeste.
Psique resolve seguir o conselho de Deméter e com as esperanças renovadas, parte em busca do maior templo de Afrodite, situado em Chipre, para colocar-se prontamente aos serviços da deusa e alcançar o seu intento: merecer seu amado Eros novamente.
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Será que Psique encontrará Eros e terá o seu perdão? Afrodite colocará uma pedra sobre o assunto e acolherá Psique? O que acham, pessoinhas queridas? Querem continuar a acompanhar e torcer por nossa heroína? Segunda, mais um capítulo dessa aventura.
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Eros e Psique por Paula Dunguel
Romance"Ferir-se a si mesmo, pode trazer consequências inesperadas..." (Noveleta readaptada sobre a lenda mitológica Eros e Psique). Com uma narrativa dinâmica e ilustrações de próprio punho, a autora convida todos a viajarem por estas linhas, que contam...