26. Harry

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   A aula acaba e não paro de pensar o que deve ter acontecido com a Allie. Escrevo uma mensagem para ela, mas acabo apagando antes de enviar. A caminho de casa decido parar na de Allie num impulso, e nego questionar minha decisão.

Tenho me acostumado a voltar a pé. Mas só de pensar no caminho que vou ter que fazer da de Allie até a minha, quase faz eu querer ir direto pra casa, apesar de minha preocupação por ela ser maior.

Quando chego em sua casa, vejo que o carro está na garagem. Paro na frente da porta e hesito em tocar a campainha, mas o que eu tenho a perder mesmo. O arrependimento me toma assim que o som ecoa na parte interna da construção. Em alguns segundos a porta abre.

"Harry? O que você tá fazendo aqui?", Cassandra diz friamente, como sempre.

"Quero falar com a Allie", digo apenas isso.

"A gente está em um momento... particular em família, então se você der licença...". Allie aparece atrás de Cassandra supresa em me ver.

"O que você tá fazendo aqui?", Allie interrompe a irmã, e faço o mesmo.

"Eu... queria falar com você".

"Tudo bem", ela atravessa a porta deixando a irmã pra trás. "Me dá só um minuto Cass, já entro", diz ela paciente. Enquanto Cassandra fecha a porta relutante.

Allie me olha esperando que eu comece a falar, mas não faço a menor ideia do que dizer.

"Fiquei sabendo que você foi embora e queria saber se... está... tudo bem?", digo sem convicção e ela ri se divertindo com meu constrangimento. Mas na verdade ela me parece triste.

"Está sim, obrigada por se preocupar, são problemas de família. Nada de mais". Claro que não era nada de mais, estava óbvio.

"Você tem certeza? Qualquer coisa pode pedir minha ajuda." Desde quando eu falo esse tipo de coisa?

"Nossa! Harry Bingham me oferecendo ajuda. Isso não acontece todo dia." Diz tirando sarro, mas minha expressão séria não muda. "Desculpa. Mas é sério, tá tudo bem." Ela olha pra baixo coçando um pé no outro.

"É sobre a sua mãe?"

   "Sim", diz ainda não me olhando nos olhos.

   "Eu sinto muito. É muito grave?"

   "Não sabemos ainda o que é. Os exames vão chegar daqui alguns dias." O silêncio entre nós fica mais constrangedor a cada segundo. Então sem pensar, dou um abraço. Ela hesita, mas logo retribui. Nós nunca estivemos tão íntimos assim desde a festa, e essa sensação me alivia de um peso que tinha nas costas e não sabia.

   Ficamos assim por mais uns segundos até ela se afastar.

   "Então... você quer entrar, tomar alguma coisa? Sei lá", ela muda sua compostura e fica desconfortável, sendo que estávamos sendo naturais. Sei que está perguntando por educação, e pelo seu comportamento repentino de desconforto, balanço a cabeça negando e agradeço mesmo assim. Esse negócio de agradecer é novo pra mim.

   "Eu preciso ir andando, mas se precisar de qualquer coisa me manda uma mensagem." Mandar uma mensagem? Qual é Harry! Você é melhor que isso. "Ou me liga! Você que sabe." Ela ri enquanto me despeço caminhando pela trilha de cascalho que leva da rua até porta principal. Ela agradece a ajuda e me dá um tchau com a mão, sem graça.

   Por que ela mudou do nada? Eu fiz alguma coisa de errado? Eu só dei um abraço. O arrependimento começa a cair nas minhas costas até ser interrompido por uma voz me chamando.

Hallie - A outra versão do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora